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Clóvis Rossi

Que Alá seja de fato grande

Os partidos islâmicos vieram para ficar; resta saber se preferem o Corão ou a Constituição

O velho sábio que habitava esta Folha costumava dizer que vivera o suficiente para ver tudo acontecer e o seu contrário também.

Lamento dizer que já cheguei a esse status.

Na maior parte de minha vida profissional, vi, por exemplo, os Estados Unidos apoiarem ditaduras no mundo árabe a pretexto de que a alternativa seria pior (uma ditadura islâmica).

Eis que vejo agora William Burns, número dois da diplomacia americana, visitar Mohamed Mursi, o novo presidente (islamita) do Egito, e recomendar a restauração do Parlamento (de maioria islâmica) que os militares egípcios, financiados pelos Estados Unidos, haviam dissolvido pouco antes.

"Será fundamental ver um Parlamento democraticamente eleito funcionando e um processo inclusivo para redigir uma nova Constituição que respeite os direitos universais", disse Burns. Em seguida, o presidente Mursi anunciou que ele também quer ver o Parlamento democraticamente eleito funcionando.

Em outros tempos, seria bem capaz de aparecer alguém para dizer que foi Washington que determinou a Mursi a reabertura do Parlamento. Aliás, mesmo nestes novos e complexos tempos, ainda sobraram muitos esquerdistas descerebrados capazes de enxergar a mão do "império" em tudo o que acontece no mundo. É mais fácil reagir por reflexo do que pensar.

O fato é que Washington parece estar se adaptando ao inevitável: em todos os países árabes em que já houve eleições na esteira da chamada "primavera" regional, ganharam partidos islamitas (no próprio Egito, na Tunísia e mesmo em Marrocos, onde a mobilização popular não derrubou o rei).

A exceção aparente é a Líbia, em que uma coligação de forças liberais diz ter saído na frente (os resultados semidefinitivos ainda demoram). Mesmo assim, a influência do islã é forte, de que dá prova frase recente do "liberal" Mahmoud Jibril, um dos líderes da rebelião contra Gaddafi e, agora, da Aliança de Forças Nacionais, principal adversária dos islamitas:

"O povo líbio não necessita nem de liberalismo nem de secularismo ou de quem pretende falar em nome do islã, porque o islã, essa grande religião, não pode ser usado para propósitos políticos. O islã é maior que isso [a política]."

Detalhe talvez relevante: Jibril vai à mesquita toda sexta -e reza.

Se todos os líderes islâmicos que estão sendo apresentados agora ao poder tiverem a mesma crença de Jibril -e a puserem em prática-, o mundo árabe e o mundo em geral ficarão um pouco melhores. O Corão -como a Bíblia e a Torá- serve para o espírito (dos que creem). Governar é com a Constituição.

Por enquanto, a prudência manda seguir o que escreveram Jason Pack (Cambridge University) e Fred Pack (vice-presidente de Lybya-Analysis.com) para a Al Jazeera:

"A Líbia, assim como outros países da Primavera Árabe, permanece uma obra em construção cuja fortuna não pode ser antecipada e será provavelmente afetada por erros honestos, circunstâncias e coincidências afortunadas e desafortunadas -e desapontadores falsos inícios".

crossi@uol.com.br

AMANHÃ EM MUNDO

Matias Spektor

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