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Turquia se divide sobre ação militar contra Síria

Possibilidade de ataque a Assad domina as discussões nas ruas

Tensão entre os dois países teve início com derrubada de caça turco; Istambul afirma que ato terá resposta

CHICO FELITTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM ISTAMBUL (TURQUIA)

Dois homens brigam enquanto escolhem cerejas num mercadinho de Beyoglu, bairro rico de Istambul.

Os berros não são os costumeiros, motivados por trânsito ou futebol, até porque a Super Liga Turca terminou em meados de maio com vitória do Galatasaray.

Atacar ou não a Síria é a questão do debate. Não apenas na frutaria, mas na cidade toda, desde 22 de junho.

Há quase um mês, a Síria derrubou um caça F-4 Phantom turco sem armas e matou seus dois tripulantes.

O governo turco diz desde então que seu jato foi derrubado por um míssil enquanto sobrevoava águas internacionais. Já o Exército sírio sustenta que derrubou a aeronave com artilharia anti-aérea, dentro do território do país, por pensar que se tratava de um avião israelense.

"Eles fizeram duas famílias turcas chorar, e esse sangue não será de graça", diz o empresário Emre Unal, um dos debatedores da quitanda. Ao que responde seu interlocutor e dono da mercearia, Kemal Pasmuç: "Foi uma provocação do nosso governo. Se atacarmos agora, Erdogan vai conseguir o que queria, uma guerra para mostrar poder".

O político a quem Pasmuç se refere é Recep Tayyip Erdogan, primeiro-ministro do país há nove anos e líder do Partido Justiça e Desenvolvimento (AK Parti).

Sua política é marcada pela proximidade com setores religiosos -ele declarou ser contra o aborto, que há décadas é legal no país até o terceiro mês de gravidez.

A aprovação do político em junho era de 59%, segundo pesquisa do centro americano Pew. Mas passeatas diárias na avenida Istiklal, a via mais simbólica de Istambul, mostram o grau da insatisfação dos outros 41%.

MÍSSIL OU NÃO

Os dois grupos dividem o país num Fla-Flu. De um lado, apoiadores de Erdogan tendem a aprovar uma ofensiva contra a Síria. Do outro, oposicionistas dizem que o governo quer uma guerra.

Quando o líder da oposição no Congresso turco, Kemal Kiliçdaroglu, não apoiou o deslocamento de tanques e jatos para a fronteira dos dois países, o primeiro-ministro o acusou de "dar voz" ao ditador sírio, Bashar Assad.

"Fomos muito rapidamente de melhores amigos da Síria ao seu crítico mais virulento", diz à Folha o ex-ministro das Relações Exteriores turco Ilter Türkmen.

As palavras têm um quê de literal: até há menos de dois anos, o primeiro-ministro turco e o ditador sírio eram amigos. Erdogan e Assad chamavam um ao outro de "irmão" e passaram férias juntos no mar Negro, norte da Turquia. Hoje, estão em pé de guerra.

EXÉRCITO NACIONAL

"Guerra é a coisa que fazemos melhor", diz o estudante Burak Anasayfa, 19, na fila para assistir pela terceira vez a "Fetih 1453". O filme narra a conquista de Constantinopla (hoje Istambul) pelos turcos otomanos.

O sucesso cinematográfico reflete uma sociedade que valoriza a nação, a guerra e o seu Exército, que reúne 700 mil homens, o equivalente a 1% da população.

Saiu das Forças Armadas o fundador da república turca, Mustafa Kemal Atatürk, idolatrado até hoje no país.

Moradores de Istambul a favor do ataque à Síria e contra a ação ouvidos pela Folha disseram qual seria sua escolha: "Era o que Atatürk faria".

Um deles foi o aposentado Mehmet Canli, que justifica: "Foi um ataque à nossa honra e passou em branco. Não pode ficar sem castigo".

O governo parece concordar. Em comunicado sobre o incidente, afirma: "O ato não passará sem resposta".

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