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Islândia cresce, mas duvida de governo

Ressentimento com setores político e financeiro segue alto, num país que antes da crise era habituado a confiar

Ex-premiê Geir Haarde foi condenado em julgamento recente por ignorar os sinais óbvios antes da derrocada

BRUNO FARIA LOPES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM REYKJAVÍK

As sagas nórdicas e os livros do Nobel de Literatura Halldor Laxness são clássicos nas casas dos islandeses, mas, desde 2010, têm uma nova e exótica companhia: um relatório de auditoria.

"É como ler ficção, há uma grande história", garante, sem ironia, Gudrun Ingvarsdóttir, 39, arquiteta.

O relatório de oito volumes expõe a gestão fraudulenta dos bancos, acompanhada por cumplicidade e negligência do poder político.

Com os islandeses pagando o preço da crise, o impacto da auditoria é devastador. "Como é possível dizer que a Islândia é um país bem classificado nos rankings internacionais de corrupção?", indaga Ingvarsdóttir. "Nós vivemos no país mais corrupto da Europa."

Quem chega a Reykjavík vê escassos sinais do histórico colapso financeiro que abalou o país em 2008.

Os cafés e restaurantes estão apinhados de turistas atraídos pela desvalorização de 50% da moeda.

Mas o ressentimento com a classe política e o setor financeiro continua muito alto, num país que, até a crise, estava habituado a confiar.

Uma pesquisa recente indica que só 10% dos entrevistados confiam no seu Parlamento.

O recente julgamento do ex-premiê Geir Haarde (2006-2009) foi para o governo um passo importante a caminho da reconciliação nacional.

Haarde, 61, foi absolvido das acusações mais graves de negligência, mas condenado por ignorar os sinais óbvios antes da crise.

A Justiça tem acusações formalizadas contra banqueiros, as únicas figuras na Islândia mais impopulares do que os políticos.

Mesmo que os processos tenham alguma influência, a chave para a reconciliação está na melhoria da economia. No papel, o país parece estar em um bom caminho: cresceu 3,1% em 2011 e deve avançar 2,5% neste ano. Mas há desafios enormes.

"O que está fervendo sob a superfície é a dificuldade das famílias que estão sobrecarregadas com os empréstimos para habitação e com a redução de 20% a 30% no poder de compra", diz Karl Blondal, editor do "Morgunbladid", o principal diário islandês.

A desvalorização da coroa ajudou as exportações, mas fez disparar a inflação no país para 16% em 2009 (ficou em 4% em 2011). O sismo trouxe ainda o 'tsunami': 75% dos empréstimos para compra de casa estão indexados à taxa de inflação, e o restante, ligado a cestas de moedas estrangeiras.

No primeiro caso, a prestação da casa incha muito. No segundo, explode para o dobro ou o triplo.

REESTRUTURAÇÃO

Até aqui, o governo já reestruturou € 2 bilhões (R$ 5 bi) de dívida das famílias, -cerca de 20% do PIB do país.

Mas o endividamento ainda supera 200% da renda das famílias. "O problema é que mais reestruturação significa gastar mais dinheiro dos contribuintes", diz o ministro do Estado Social, Gudbjartur Hannesson. "Sabemos que haverá pressão e que o debate está ainda longe do fim."

Para Gudrun Ingvarsdóttir, que viu a prestação mensal de sua casa subir 40%, os critérios usados para perdoar as dívidas são injustos.

Foram concedidos em primeiro lugar aos devedores em moeda estrangeira. "É uma má lição que o governo dá."

Apesar dos bons sinais, será preciso ainda muito tempo até as feridas cicatrizarem -no bolso e na confiança.

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