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Com "truque" tático, insurgentes derrotaram regime no norte sírio

No dia em que atentado na capital matou membros do alto escalão, rebeldes simularam ofensiva

Forças antes leais ao ditador se renderam; prisioneiros dizem não sofrer violência e veem Assad a ponto de cair

MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A AL BAB (SÍRIA)

Após meses sitiada e sob bombardeios do Exército, Al Bab, uma das mais populosas cidades do norte da Síria, passou ao controle das forças rebeldes graças a um truque.

Ao saber que um atentado em Damasco atingira o coração do aparato de segurança do regime, matando altos oficiais, no último dia 18, Hussein Hamadi teve uma ideia que levaria à batalha final.

Calculando que o susto causado pelo atentado abalaria os soldados que controlavam a cidade, Hamadi, dono de uma fábrica de biscoitos, ligou para o comandante e avisou que milhares de rebeldes estavam a caminho.

Em seguida, mobilizou outros opositores para repetir o anúncio nos alto-falantes nas mesquitas da cidade, garantindo que os soldados que entregassem as armas não sofreriam retaliações.

O anúncio era uma mentira, mas a artimanha funcionou. A maioria dos soldados bateu em retirada, deixando para trás apenas 60 homens, que ficaram cercados na agência central do correio.

O confronto durou 24 horas e terminou com 15 soldados presos e cinco mortos. "Alguns foram feridos pelos soldados que ficaram. Eles dispararam com seus fuzis e lançaram granadas para impedir a rendição", afirma.

Desde a vitória rebelde, a cidade de 250 mil habitantes vive entre a convicção de que Assad é página virada e o medo de um revide devastador das forças do ditador.

A Folha percorreu 50 km no norte e não viu sinal das tropas do regime. Em estradas cercadas por campos agrícolas e pequenos vilarejos, rebeldes cruzam em disparada em motos e caminhonetes, com fuzis a tiracolo.

Em Al Bab, insurgentes armados circulam em meio a prédios com marcas de bombardeios. Muitos são desertores das Forças Armadas e agora vestem a farda do ELS (Exército Livre da Síria).

O comércio reabre, timidamente. Carros circulam em zigue-zague nas ruas para desviar de barreiras de tijolos e sacos de areia deixados pelas forças de segurança.

A Folha visitou a escola que virou base opositora e serve de prisão para os 15 membros das forças de segurança capturados. Numa sala de aula de 25 m², sentados em colchões, os mais jovens não escondem o pavor no olhar. Cercados por opositores, não reclamaram de maus-tratos, mesmo em conversa a sós com a Folha.

"Estamos sendo bem alimentados e não sofremos violência", disse o sargento Abdallah Tawfik, o militar mais graduado entre eles. "O regime nos dizia que [os rebeldes] eram terroristas, mas agora entendemos que o que pedem é justo. Assad vai cair."

Ajudando na tradução, o professor de inglês Mustafa Tamro, 39, conta que entre os prisioneiros estão policiais que participaram de sessões de tortura de opositores. Não podem ser identificados, porque os opositores estavam sempre de olhos vendados.

"Prenderam-me em casa porque participei de protestos. Humilharam-me na frente da minha mulher e dos meus dois filhos pequenos. Fui chutado por meia hora."

Apesar do clima de cidade libertada, a guerra está presente. Soldados em tanques continuam posicionados a 5 km de distância, e os rebeldes dizem negociar sua rendição. Há dois dias, helicópteros atacaram um hospital na periferia, cinco morreram.

O desabastecimento também preocupa. No vilarejo próximo de Akhtarin, dezenas esperam numa fila em frente a uma padaria em busca de fatias de pão árabe.

A enxurrada de refugiados de Aleppo tornou impossível atender a todos. "Para piorar, o governo cortou o fornecimento de trigo e estamos usando o pouco que havia armazenado", conta o agricultor Ismail, 35.

Eufórico com a conquista da região pelos rebeldes, ele não esconde a preocupação com o possível retorno das forças oficiais. "Por favor, não escreva o meu sobrenome. A vingança do governo é sempre terrível."

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