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Depoimento

Em segundos, o mundo se reduz a bombas e incerteza

DO ENVIADO A ALEPPO

É IMPOSSÍVEL SABER O QUE ESTÁ SE PASSANDO, O QUE ALIMENTA ONDA DE RUMORES E INFORMAÇÕES DESENCONTRADAS

Primeiro cai a internet. Em seguida, os celulares ficam mudos. Depois, até os telefones por satélite deixam de funcionar.

Para completar, a eletricidade é cortada. O apagão está completo.

Já seria incômodo numa situação normal. No meio de uma guerra, costuma ser prenúncio de um ataque.

É um antigo recurso militar, que o regime sírio tem usado com frequência.

Na noite da última quarta, pela segunda vez em uma semana, a Folha viveu a escalada de incomunicabilidade em Aleppo, a mais populosa cidade síria e palco de enfrentamentos entre as forças do ditador Bashar Assad e os insurgentes contra seu regime. Ambas culminaram em bombardeios da força aérea síria.

Passava um pouco das 19h (13h de Brasília) e os moradores da cidade se preparavam para o "iftar", a refeição que quebra o jejum ritual islâmico do Ramadã, a principal do dia, quando o apagão começou. Mesmo sob o risco de prolongar o jejum por horas, quem pode deixa a cidade ou se refugia em bairros mais seguros.

Para quem não tem carro, resta torcer para não ser o endereço de um foguete.

A sensação é de impotência perturbadora. Em segundos, no isolamento total, o mundo se reduz a bombas, tiros e incerteza.

Com a comunicação cortada, é impossível saber exatamente o que está se passando, o que alimenta uma onda de rumores e informações desencontradas.

Vizinhos conversam assustados, apelando para o boca a boca em busca de confirmação sobre onde caiu um morteiro ou qual bairro está cercado por tanques.

Durante toda a noite, estrondos ecoaram pela cidade, alguns bem perto.

Para piorar, há um apagão de transporte. Os táxis em circulação são poucos e raros aceitam transitar nas estradas que levam a Aleppo, temendo barreiras do Exército.

Pela manhã, três caças russos da força aérea síria voaram baixo sobre o prédio onde estava a Folha e abriram fogo em um bairro vizinho. O prenúncio, mais uma vez, se confirmou.

(MARCELO NINIO)

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