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Opinião

Na TV e na internet, candidatos parecem moleques birrentos

CHICO MATTOSO
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM CHICAGO

Sempre tive a impressão de que as campanhas políticas andam na contramão do tempo: os candidatos começam agindo como adultos responsáveis, dispostos a debater propostas de grande relevância e seriedade, e terminam como moleques birrentos jogando sujeira um em cima do outro.

Basta assistir a um debate para perceber: as variações de "ele começou", "eu vi primeiro" ou "assim eu não brinco" contam-se às dezenas, somadas a pescotapas retóricos e cascudos verbais.

Quando um candidato resolve falar sério, as palavras dele soam como o sermão de um vovô chato, que apareceu na área pra estragar a brincadeira.

O fenômeno não é novo. Num artigo publicado recentemente na revista "The New Yorker", a jornalista e historiadora Jill Lepore identificou a gênese do arranca-rabo eleitoral. Foi na década de 30, quando um casal da Califórnia fundou a primeira empresa de consultoria política da história. Quase 80 anos depois, as estratégias criadas por Clem Whitaker e Leone Baxter continuam atuais.

"Recuse a sutileza" é uma delas. "Alimente controvérsias" é outra, seguida de "não espere que o eleitor reflita sobre as coisas" e "na dúvida, parta para o ataque". Soa ou não soa familiar?

Nos EUA, a guerra suja segue a toda. As arenas, claro, são a televisão e a internet, onde narradores de voz cavernosa enumeram os podres dos adversários, sempre acompanhados por orquestrações de filme de terror.

Um dos anúncios traz uma mulher que diz ter sido abortada viva -e que sugere que, num governo Obama, não teria conseguido sobreviver. Em outro, um ex-funcionário de uma fábrica de aço fechada por Romney responsabiliza o candidato pela morte (por câncer) de sua mulher.

Os piores ataques são os patrocinados pelos Super PACs, grupos independentes que contam com doações anônimas para produzir peças publicitárias de alto poder destrutivo. É a terceirização da pancadaria -mais ou menos como chamar o valentão da rua de cima pra dar uma sova no vizinho folgado.

No início da temporada eleitoral, falou-se nos EUA que esta seria uma eleição diferente, que poria em confronto duas maneiras de enxergar a administração federal -seria uma campanha "técnica", mais voltada à economia e aos problemas domésticos.

Dou um docinho pra quem adivinhar o que aconteceu. O que me leva a pensar que talvez a responsabilidade não seja só dos candidatos, ou do maquiavelismo da disputa política. Se as estratégias não mudaram, talvez seja porque o eleitor tenha sido sempre o mesmo. Queremos sangue. Queremos porrada. E não sossegaremos enquanto cabeças não começarem a rolar.

CHICO MATTOSO, escritor, vive em Chicago. É autor de "Nunca Vai Embora" e "Longe de Ramiro", entre outros livros.

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