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BC para que?

Crise econômica mundial muda o papel tradicional da autoridade monetária nos EUA, Europa e Japão

PATRÍCIA CAMPOS MELLO
DE SÃO PAULO

William Martin, o economista que presidiu por mais tempo o Federal Reserve (Banco Central americano), costumava dizer: "A função do Fed é levar embora a jarra de ponche justamente quando a festa estiver animando".

Hoje em dia, na tentativa de animar a economia estagnada dos países desenvolvidos, os presidentes dos grandes BCs do mundo estão colocando rum, pinga e vodca na jarra de ponche e não vão levá-la embora tão cedo.

A atual crise mostra que acabou o tempo em que o papel dos BCs era estritamente equilibrar a atividade econômica aumentando ou reduzindo juros. Neste mês, ao mesmo tempo, o Fed, o Banco Central Europeu e o Banco do Japão anunciaram medidas para lá de heterodoxas.

O Fed vai comprar US$ 40 bi por mês em títulos lastreados em hipoteca até o nível de emprego no país se recuperar, além de manter as compras de US$ 45 bi mensais em títulos do Tesouro de longo prazo até o fim do ano.

O BCE comprará títulos de países da zona do euro de forma ilimitada, desde que aceitem programas de ajuste.

E o Banco do Japão aumentou para US$ 1,02 trilhão seu programa de compras de títulos do governo e o prorrogou até o fim de 2013.

Todos esses BCs estão encurralados: como as taxas de juros nos EUA, Japão e zona do euro estão próximas de zero, eles estão optando por instrumentos alternativos.

NOVAS ARMAS

Normalmente, a principal arma dos bancos centrais são as taxas de juros de curto prazo, que os BCs tentam determinar ao comprar e vender títulos do governo, o que resulta em aumento ou redução das reservas dos bancos (e consequente possibilidade de essas instituições fazerem empréstimos).

Se a atividade está fraca, o BC sai comprando títulos do governo em poder dos bancos, o que aumenta o nível de reservas das instituições e eleva a capacidade de elas fazerem empréstimos.

Se a economia está aquecendo demais e a inflação ameaça subir, eles fazem o contrário: vendem títulos do governo para enxugar as reservas, o que eleva os juros e desencoraja empréstimos.

Mas o que fazer quando os juros já chegaram a zero e a economia não se reanimou?

Nos EUA, os "Afrouxamentos Quantitativos" 1 e 2 (QE) foram uma tentativa de reduzir também as taxas de juros de longo prazo, já que as de curto estavam em zero. Para isso, o Fed comprou mais de US$ 2 trilhões em títulos.

Também agiu no canal das expectativas, dizendo que não esperava elevar as taxas de juros antes de 2014.

Com isso, reduziria a tendência dos investidores de guardar dinheiro, pensando que, lá na frente, o Fed iria voltar a elevar juros.

Além disso, o Fed apostava que, ao vender seus títulos do Tesouro, os investidores aplicariam em outros papéis, como ações, elevando preços de ativos na economia, o que aumenta a confiança do consumidor e incentiva o consumo.

O QE3 vai além. O Fed anunciou que vai manter as compras de títulos lastreados em hipoteca e outros ativos até que haja melhoria no mercado de trabalho. O desemprego hoje é de 8,1%.

E diz também que a política monetária frouxa será mantida "por um tempo considerável". Ou seja, dá a entender que terá uma maior tolerância à inflação.

REINVENÇÃO

Na zona do euro, o BCE quer se reinventar também por outros motivos. Com a ameaça de quebradeira em vários países, teve de assumir gradualmente, ainda que não oficialmente, o papel de "emprestador de última instância" para bancos e governos. Antes, cada país era responsável por seus problemas.

Por enquanto, os resultados são desiguais. Segundo o FMI, os EUA devem crescer 2,1% este ano, o Japão, 2%, e a eurozona encolherá 0,3%.

Defensores das políticas argumentam que, sem as medidas, o cenário seria pior.

Mas para alguns, a política monetária sozinha não dá conta do recado. É necessário também ter política fiscal, aumento de gastos do governo e redução de impostos.

Isso está difícil de implementar nos EUA e na zona do euro, que têm altos deficits e grande endividamento (além de obstáculos políticos).

"Os BCs estão navegando em águas desconhecidas. Se essas medidas vão funcionar, não sabemos", diz Marcelo Moura, professor de Finanças do Insper.

No Brasil, por enquanto não se espera o mesmo "tsunami monetário" que foi provocado pelos QEs anteriores.

Os juros baixíssimos dos ricos levaram investidores a aplicar em emergentes, ajudando a valorizar moedas como o real. Mas agora o Brasil anunciou que intervirá para evitar valorização excessiva.

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