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'Brasil deve falar com Rússia sobre crise síria'

Gareth Evans, 'pai' do conceito de intervenção humanitária, diz que país pode aproveitar boa relação com Moscou

Russos são hoje os maiores aliados do regime de Assad; guerra civil no país já deixou mais de 30 mil mortos

ISABEL FLECK
DE SÃO PAULO

O Brasil deveria usar sua "credibilidade" e o "acesso" que tem à Rússia, especialmente por meio dos Brics, para tentar pressionar Moscou por uma atitude mais dura em relação à Síria.

A opinião é do ex-chanceler australiano Gareth Evans, 68, um dos pais da doutrina de "responsabilidade de proteger", conhecida pela sigla R2P, adotada pela ONU em 2005 e que trata da intervenção humanitária.

Ele veio ao Brasil participar do 12º Colóquio Internacional de Direitos Humanos, promovido pela organização Conectas, entre 13 e 20 de outubro.

Para Evans, contudo, a situação na Síria é diferente do genocídio de Ruanda em 1994, onde se estima que morreram 800 mil pessoas -e que serviu de pilar para a discussão do R2P- e da Líbia.

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Folha - Após 20 meses de confronto e 30 mil mortos na Síria, segundo a oposição, não é hora de intervenção militar?

Gareth Evans - Ainda não consigo ver um conceito claro de operação que funcionará para acabar com as mortes de civis. Não acredito que possa haver zona de exclusão aérea sem tornar o confronto mais substancial, porque não se pode só atirar em aviões sírios, é preciso atacar também centros de comando.

Não há uma operação simples quando se está enfrentando uma grande força militar. Você consegue fazer isso se está enfrentando uma força militar fraca, como a líbia, mas os sírios são diferentes.

A situação na Síria coloca então sob dúvida o conceito de responsabilidade de proteger?

A responsabilidade de proteger é muito mais do que só intervenção militar. Envolve persuasão diplomática e outras formas de pressão. É verdade que na Síria nós nem tivemos essas outras formas.

Falta consenso sobre o que o R2P significa e como ele deve ser aplicado. Acho que é possível recriar esse consenso, mas só se houver uma avaliação do que deu errado na Líbia. Na Síria, há uma paralisia até na discussão das formas mais leves de pressão -então tem sido um ano difícil para o conceito R2P.

Como avançar nas discussões com a resistência da Rússia?

Se a Síria vai mudar seu comportamento e se preparar para uma discussão séria sobre transformação política, a pressão terá que vir da Rússia.

E o Brasil tem uma credibilidade e um acesso [nos Brics] a essas potências que outros países não têm. Deveria usar isso para dizer: "Não queremos ser vistos como os caras que apoiam ditaduras e massacres de inocentes. Somos países decentes, vamos formar uma posição que vai mudar as coisas".

Uma coisa é um país como a Austrália dizer isso, outra coisa é o Brasil. Ele seria ouvido e levado muito a sério.

O Brasil tentou contribuir com o conceito de "responsabilidade ao proteger". Temos tempo para esse debate na Síria?

Essa discussão não vai ajudar a situação na Síria. Mas o que o Brasil está propondo é criar a capacidade para ações internacionais efetivas em situações futuras. Porque, se tivermos uma nova Ruanda amanhã, teremos consenso para lidar de forma efetiva contra crimes contra a humanidade?

É possível que, em alguns anos, nos lembremos da Síria como uma nova Ruanda, em que a comunidade internacional falhou ao não intervir?

A situação síria não é como em Ruanda, onde a violência teria sido facilmente cessada com o envio de 5 mil ou 10 mil soldados. Na Síria, temos uma guerra civil em larga escala. Não é só uma questão de enviar 10 mil soldados, mas de entrar no país e lutar uma guerra contra a Síria.

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