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'Eleições são última chance da democracia mexicana'

Para o escritor Carlos Fuentes, que perdeu filha para as drogas, país requer ajuda no combate ao narcotráfico

FABIO VICTOR
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Carlos Fuentes, 83, conhece intimamente a tragédia mexicana das drogas.
Em 2005, perdeu para elas uma filha de 29 anos. Viciada, Natasha Fuentes foi encontrada morta num bairro barra-pesada da Cidade do México, famoso pelos pontos de tráfico, segundo relatou a imprensa à época.
Em entrevista à Folha, o principal escritor mexicano vivo analisa o colapso enfrentado pelo país por causa do narcotráfico, que já causou mais de 40 mil mortes desde 2006, quando o presidente Felipe Calderón (do PAN, Partido Ação Nacional) declarou guerra aos cartéis.
Eterno candidato ao Nobel, o embaixador aposentado, cujo ensaio "La Gran Novela Latinoamericana" (o grande romance latino-americano) sairá em 2012 no Brasil pela editora Rocco, falou de sua admiração por Machado de Assis, "o único escritor 'cervantino' no continente americano" e que ele coloca "muito acima de qualquer outro romancista da época".
Ele falou à reportagem à beira da piscina do Copacabana Palace, hotel onde morou na infância, durante os anos 30, quando seu pai trabalhava na Embaixada do México no Brasil.

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Folha - O México vive uma escalada da violência ligada ao narcotráfico. Qual é a semente dessa situação?
Carlos Fuentes - Fechou-se a rota da Colômbia pelo Caribe. O México é vizinho dos EUA, principal mercado. As forças de segurança mexicanas são muito pobres para enfrentar o crime. Os criminosos atuam no México, mas compram armas nos EUA e vendem o produto aos americanos. Se não houver acordo entre México e EUA para definir responsabilidades nesse tema, iremos de mal a pior.
Além disso, o presidente Calderón decidiu enfrentar o narcotráfico diretamente. Com 15 dias no poder, declarou guerra ao tráfico.
Ele fez uma guerra frontal, e foi mal, porque o fato de que o tráfico derrote o Exército é muito grave. Quer dizer que, se não pode se defender contra traficantes, o Exército não pode defender a nação.

Como a crise do tráfico vai interferir na eleição presidencial mexicana de 2012?
Esta eleição é a última oportunidade da democracia mexicana. Ou as eleições são legítimas, e se cria uma democracia estável, mais forte, ou o crime embarga o México.

Para o sr., quem tem mais chances de ganhar a eleição?
Sou partidário de Marcelo Ebrard [prefeito da Cidade do México, do esquerdista Partido da Revolução Democrática]. De todos os candidatos, é sem dúvida o melhor, o mais inteligente, o mais adaptado ao mundo atual. Por isso, espero que ganhe a eleição.

Quais seriam as consequências de uma volta do PRI [que governou o país por 73 anos, até 2000], com um candidato forte na corrida, Enrique Peña Nieto?
Não creio que seriam boas, porque é um partido da época de Matusalém. É muito antigo, muito desacreditado, e duvido muito que consiga se livrar dos seus vícios.

O sr. já disse que o México necessitava de forças estrangeiras, como a "securité" francesa ou comandos israelenses, para combater o tráfico...
Ou os alemães, que são muito bons. A polícia não existe no México, é totalmente corrupta, não se pode contar com ela.
Por isso Calderón não pôde usar a polícia e mandou o Exército, mas descaracterizando as funções do Exército, que não são compatíveis com o combate à droga.
Tudo está mal, tudo é ilegal, tudo está torcido. Digo, por provocação, para trazermos israelenses, alemães e franceses, que eles acabam em cinco minutos com tudo.

Mas não é uma proposta real?
Diga que é real, diga.

Porque, assim, poderia ser interpretada como uma intervenção internacional...
Esse idiota que é candidato a presidente dos EUA, o republicano [Rick] Perry, pediu uma intervenção no México.
O México pode convidar forças especiais de outros países, para que ajudem no combate às drogas, que em nada violem a soberania; é o que eu proponho. Querer que os EUA intervenham é grave, porque se sabe que os EUA têm ímpetos imperialistas.

A imprensa mexicana escreveu que a sua filha morreu por implicação com as drogas. O que aconteceu exatamente?
Caiu no vício das drogas e isso a matou. É só o que digo.

Elogiado no seu ensaio "La Gran Novela Latinoamericana", que sairá no Brasil em 2012, "Memórias Póstumas de Brás Cubas" é o único romance brasileiro digno de louvor?
Não, creio que todos os romances de Machado [de Assis] o são [risos].
Machado é um grande escritor, mas é curioso que seja o único escritor "cervantino" no continente americano. Os demais imitam Balzac, Zola, mas não imitam Cervantes.

Anos antes de Natasha, o sr. também perdeu um filho prematuramente, Carlos, hemofílico, aos 25. Onde um pai encontra forças para superar as perdas?
Escrevendo com eles. Eu os convoco, na hora de escrever estão comigo, me ajudam a escrever, imagino o que eles poderiam imaginar, o que poderiam dizer, e isso ajuda a mantê-los vivos.

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