São Paulo, segunda-feira, 01 de janeiro de 2001

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"Século da Ásia" pode ter China sem Partido Comunista

JAIME SPITZCOVSKY
ESPECIAL PARA A FOLHA

Uma China sem o Partido Comunista, as Coréias unificadas e o Japão lutando contra a queda de sua influência no continente asiático, ao enfrentar desafios de vizinhos fortalecidos e as perenes dificuldades para recuperar sua economia.
Isso é uma parte do cenário mais provável, segundo diversas análises e especulações, para o século 21, período também muitas vezes apelidado de "o século da Ásia" ou como "o século do Pacífico".
Não há previsão que roube dos EUA a manutenção de sua hegemonia mundial, ao menos num futuro previsível. No entanto há uma insistente corrente de pensamento que aposta numa política norte-americana mais voltada para o Pacífico, atraída pelos desafios e oportunidades apresentados pela Ásia, do que orientada para os tradicionais vizinhos do Atlântico, os europeus.
Embora muitas previsões tenham sido refeitas após a crise financeira asiática de 1997, o continente continua despontando como um dos principais e mais dinâmicos motores da economia mundial.
A China deverá manter as taxas aceleradas de crescimento registradas desde o início das reformas pró-capitalismo, em 1978.
Os índices anuais de crescimento para os anos 2002, 2003 e 2004 deverão ser, respectivamente, 7,9%, 8,2% e 8,3%, de acordo com cálculos da Economist Intelligence Unit, um braço de pesquisa da prestigiosa revista britânica "The Economist".
A CIA, o serviço de inteligência norte-americano, também prevê uma boa entrada de século para a China, ao analisar o comportamento da economia mundial.
"A Ásia emergente será a região de mais rápido crescimento, liderada pela China e pela Índia, cujas economias já representam cerca de um sexto do Produto Interno Bruto global", afirma a CIA no seu relatório "Tendências Globais 2015".
Continua o estudo: "Ao implementar as reformas exigidas para sua adesão à Organização Mundial do Comércio, a economia chinesa vai se tornar mais eficiente, permitindo a continuação do crescimento acelerado".

Armadilha
A China, após mais de dez anos de negociações, deve obter seu ingresso na OMC ainda em 2001. Com a adesão, Pequim ganha ao conseguir ampliar mercados para suas exportações, mas deve, como contrapartida, abrir ainda mais a sua economia a investimentos e à participação internacional. Ou seja, um novo choque de capitalismo e de influências externas, chegando com as empresas e o capital estrangeiro.
Essa é a armadilha que aguarda o Partido Comunista, criador da alquimia de sistema político fechado com uma economia aberta. Os herdeiros de Mao Tse-tung calculam que hoje o país precise de nova injeção de recursos para manter as reformas econômicas avançando.
Essas mudanças devem, em prazo ainda impossível de ser definido, dar origem a uma classe média e a outros grupos sociais que terão crescentes reivindicações por democratização, desaguando numa mudança de sistema político.
Para os pessimistas, a transição pode jogar a China num universo de turbulência marcado, por exemplo, por uma desintegração territorial semelhante à ocorrida com a União Soviética. No entanto as diferenças regionais chinesas não são, com exceções, tão marcantes como eram no império soviético.
O cenário mais provável é, portanto, o do fortalecimento da China, embora seu poderio econômico e militar ainda não vá ser suficiente para tirar dos EUA a condição de poder hegemônico na cena internacional. Entretanto Pequim será o grande desafio geopolítico que Washington enfrentará neste século.
O Japão também vai sentir os efeitos do fortalecimento do vizinho e rival histórico. Embora haja análises que apostem num crescimento do nacionalismo japonês, a tendência mais provável é a manutenção da aliança estratégica entre Washington e Tóquio, os dois interessados em conter o avanço de Pequim.
Os EUA sabem também da importância de suas bases militares em solo asiático e japonês, que permitem a suas Forças Armadas atuar com rapidez em áreas que vão do Havaí à África do Sul. "Essa plataforma de projeção de poder é vital para a América manter uma posição a partir da qual pode reivindicar a liderança global", opina o analista japonês Ogawa Kazuhisa.
E manter tropas no Japão torna-se ainda mais importante para os EUA diante da forte possibilidade de haver a reunificação da península coreana na próxima década. O regime comunista da Coréia do Norte dá sinais de que já admite o seu final, e a morte de um reduto do stalinismo e da ameaça de invasão norte-coreana tiraria de Washington o argumento para manter os seus cerca de 35 mil soldados estacionados hoje na Coréia do Sul.
Os EUA também querem manter tropas na Ásia com medo de um conflito armado entre China e Taiwan. Pequim ameaça invadir a chamada "ilha rebelde" para forçar a reunificação. Esse confronto, hoje pouco provável por conta dos seus custos econômicos, traria turbulência e poderia conter a atual espiral de crescimento das economias do Extremo Oriente.



















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