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Coreano assume ONU hoje com ênfase na burocracia
Ban Ki-moon, que substitui Kofi Annan, indica que prefere administração à política
Observadores destacam, entretanto, que mudança de perfil durante mandato é rotina na atuação dos secretários da organização
FELIPE SELIGMAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O sul-coreano Ban Ki-moon
assume hoje o cargo de secretário-geral da Organização das
Nações Unidas (ONU). Após
dez anos como secretário-geral
e mais de 40 de organização,
Kofi Annan sai consagrado por
suas posições políticas -não
suficientes, entretanto, para livrar a instituição de uma crise
de identidade e credibilidade.
"Espero que Ban Ki-moon
continue o legado político de
Kofi Annan", disse à Folha Steve Crawshaw, diretor para assuntos da ONU da organização
de direitos humanos Human
Rights Watch (HRW).
Críticos, por sua vez, dizem
que a ONU está financeiramente desarrumada. No início
de dezembro, o jornal francês
"Le Monde" publicou uma reportagem mostrando que a
pulverização dos gastos diminui a eficácia da ONU.
As agências da instituição supervisionaram, entre 2004 e
2005, o gasto de quase US$ 45
bilhões em países onde mais de
20 agências intervinham por
meio de programas com orçamentos menores que US$ 1 milhão cada. "Essa extrema fragmentação das contribuições
envolve custos administrativos
muito elevados, com muitas
etapas de difícil controle" disse
o diretor da Agência Francesa
de Desenvolvimento, Jean-Michel Severino.
Politicamente, a ONU é vista
como uma organização desacreditada. George W. Bush desconsiderou o Conselho de Segurança quando invadiu o Iraque e, em troca, teve de escutar
as críticas de Annan.
Ban Ki-moon, 62, deve fazer
como Annan e comportar-se
como político que define prioridades globais ou preferirá
agir como administrador, primando por reformas administrativas e do Secretariado?
Para o embaixador do Brasil
na ONU, Ronaldo Sardenberg,
o papel do secretário-geral não
passa por uma decisão entre
um pólo e outro. "Nas conversas com Ban Ki-moon, temos
insistido na posição de que o
secretário-geral tem que assumir integralmente suas funções, tanto no plano global
quanto no âmbito interno da
ONU. Vemos esses dois aspectos como complementares",
disse à Folha por e-mail.
Algumas especulações, entretanto, indicam que Ban Ki-moon deverá concentrar-se na
parte interna da ONU. Tal posição sugere submissão aos cinco membros permanentes do
Conselho de Segurança: não se
pronunciar é, indiretamente,
ratificar as posições das cinco
potências com poder de veto.
Em juramento no dia 14 de
dezembro, o sul-coreano concentrou-se em pontos da reforma administrativa, desde a renovação de funcionários até
padrões éticos a serem adotados: "O bom nome das Nações
Unidas é um de seus mais valiosos valores, mas também um
dos mais vulneráveis. Isso servirá à restauração da credibilidade da organização", disse.
Na avaliação de um diplomata brasileiro, Ban Ki-moon
também criticou, indiretamente, os países em desenvolvimento. Um dos principais apelos do Grupo dos 77- atualmente formado por 133 países
em desenvolvimento- é a independência do secretário-geral das Nações Unidas.
Mas o novo secretário-geral
mostrou que pensa diferente.
"Precisamos relembrar o que
diz a Carta das Nações Unidas e
o documento da Comissão Preparatória de San Francisco de
1945, sobre a relação dos Estados membros com o Secretariado. Esses documentos não
sugerem, em nenhum momento, que o Secretariado deve ser
independente dos Estados
membros", disse.
Com o novo mandato, renovam-se as esperanças de países
como o Brasil, Japão, Alemanha e Índia -o Grupo dos 4
(G4)- de integrar o Conselho
de Segurança. Mas há pouca esperança de que o sul-coreano
exercerá influência suficiente
para que tal reforma aconteça.
Dentro da ONU, existe um
grupo informal contrário à reforma, que entre cafés e encontros discute a questão. Fazem
parte do grupo, conhecido como Coffee Club, países que encaram a entrada dos integrantes do G4 no Conselho como
uma mudança indesejada dos
equilíbrios políticos regionais.
Para Ronaldo Sardenberg,
entretanto, "a reforma do Conselho de Segurança é um processo intergovernamental, que
recebe pouca ou nenhuma influência do Secretariado. Depende, em última análise, da
vontade dos Estados membros
da ONU".
As especulações podem ser
erradas, como mostraram os
dez anos de Kofi Annan.
"Quando Annan chegou, era o
primeiro secretário que emergiu diretamente de dentro da
organização, e muitos o viam
como um tipo burocrático. Mas
ele provou o contrário", disse
Crawshaw.
"Muitos dizem que o comprometimento de Ban Ki-moon com os direitos humanos e as questões políticas está
lá, e que ele apenas age com
cautela. O que precisamos é de
alguém que seja cauteloso e firme: o crucial é que ele não recue ao se deparar com as muitas pressões que virão."
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