São Paulo, segunda-feira, 01 de janeiro de 2007

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Coreano assume ONU hoje com ênfase na burocracia

Ban Ki-moon, que substitui Kofi Annan, indica que prefere administração à política

Observadores destacam, entretanto, que mudança de perfil durante mandato é rotina na atuação dos secretários da organização

FELIPE SELIGMAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O sul-coreano Ban Ki-moon assume hoje o cargo de secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU). Após dez anos como secretário-geral e mais de 40 de organização, Kofi Annan sai consagrado por suas posições políticas -não suficientes, entretanto, para livrar a instituição de uma crise de identidade e credibilidade.
"Espero que Ban Ki-moon continue o legado político de Kofi Annan", disse à Folha Steve Crawshaw, diretor para assuntos da ONU da organização de direitos humanos Human Rights Watch (HRW).
Críticos, por sua vez, dizem que a ONU está financeiramente desarrumada. No início de dezembro, o jornal francês "Le Monde" publicou uma reportagem mostrando que a pulverização dos gastos diminui a eficácia da ONU.
As agências da instituição supervisionaram, entre 2004 e 2005, o gasto de quase US$ 45 bilhões em países onde mais de 20 agências intervinham por meio de programas com orçamentos menores que US$ 1 milhão cada. "Essa extrema fragmentação das contribuições envolve custos administrativos muito elevados, com muitas etapas de difícil controle" disse o diretor da Agência Francesa de Desenvolvimento, Jean-Michel Severino.
Politicamente, a ONU é vista como uma organização desacreditada. George W. Bush desconsiderou o Conselho de Segurança quando invadiu o Iraque e, em troca, teve de escutar as críticas de Annan.
Ban Ki-moon, 62, deve fazer como Annan e comportar-se como político que define prioridades globais ou preferirá agir como administrador, primando por reformas administrativas e do Secretariado?
Para o embaixador do Brasil na ONU, Ronaldo Sardenberg, o papel do secretário-geral não passa por uma decisão entre um pólo e outro. "Nas conversas com Ban Ki-moon, temos insistido na posição de que o secretário-geral tem que assumir integralmente suas funções, tanto no plano global quanto no âmbito interno da ONU. Vemos esses dois aspectos como complementares", disse à Folha por e-mail.
Algumas especulações, entretanto, indicam que Ban Ki-moon deverá concentrar-se na parte interna da ONU. Tal posição sugere submissão aos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança: não se pronunciar é, indiretamente, ratificar as posições das cinco potências com poder de veto.
Em juramento no dia 14 de dezembro, o sul-coreano concentrou-se em pontos da reforma administrativa, desde a renovação de funcionários até padrões éticos a serem adotados: "O bom nome das Nações Unidas é um de seus mais valiosos valores, mas também um dos mais vulneráveis. Isso servirá à restauração da credibilidade da organização", disse.
Na avaliação de um diplomata brasileiro, Ban Ki-moon também criticou, indiretamente, os países em desenvolvimento. Um dos principais apelos do Grupo dos 77- atualmente formado por 133 países em desenvolvimento- é a independência do secretário-geral das Nações Unidas.
Mas o novo secretário-geral mostrou que pensa diferente. "Precisamos relembrar o que diz a Carta das Nações Unidas e o documento da Comissão Preparatória de San Francisco de 1945, sobre a relação dos Estados membros com o Secretariado. Esses documentos não sugerem, em nenhum momento, que o Secretariado deve ser independente dos Estados membros", disse.
Com o novo mandato, renovam-se as esperanças de países como o Brasil, Japão, Alemanha e Índia -o Grupo dos 4 (G4)- de integrar o Conselho de Segurança. Mas há pouca esperança de que o sul-coreano exercerá influência suficiente para que tal reforma aconteça.
Dentro da ONU, existe um grupo informal contrário à reforma, que entre cafés e encontros discute a questão. Fazem parte do grupo, conhecido como Coffee Club, países que encaram a entrada dos integrantes do G4 no Conselho como uma mudança indesejada dos equilíbrios políticos regionais.
Para Ronaldo Sardenberg, entretanto, "a reforma do Conselho de Segurança é um processo intergovernamental, que recebe pouca ou nenhuma influência do Secretariado. Depende, em última análise, da vontade dos Estados membros da ONU".
As especulações podem ser erradas, como mostraram os dez anos de Kofi Annan. "Quando Annan chegou, era o primeiro secretário que emergiu diretamente de dentro da organização, e muitos o viam como um tipo burocrático. Mas ele provou o contrário", disse Crawshaw.
"Muitos dizem que o comprometimento de Ban Ki-moon com os direitos humanos e as questões políticas está lá, e que ele apenas age com cautela. O que precisamos é de alguém que seja cauteloso e firme: o crucial é que ele não recue ao se deparar com as muitas pressões que virão."


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