São Paulo, quinta-feira, 01 de janeiro de 2009

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A REVOLUÇÃO AOS 50/ A PÉ EM SANTIAGO

Cidade-símbolo vive penúria econômica

Melhoria nos transportes iniciada em Havana tarda a chegar a Santiago de Cuba, onde aniversário será comemorado hoje

Os "camelos", ônibus adaptados de carroceria de caminhão, predominam no local; turismo e remessas são alento para população

FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A SANTIAGO DE CUBA

"Por fim, chegamos a Santiago. Duro e longo o caminho, mas chegamos." Em homenagem às famosas palavras de vitória de Fidel Castro, ditas em 1º de janeiro de 1959, Raúl Castro deve fazer hoje em Santiago de Cuba o discurso pelos 50 anos da revolução, em substituição ao irmão convalescente (não se espera que ele apareça).
A cidade colonial, no extremo leste da ilha, está cheia de bandeirolas comemorativas e turistas com blusas de Che Guevara ou Camilo Cienfuegos, sinal de que a vitória do século passado ainda cobra apelo. Porém, na segunda maior cidade do país, com mais de 1 milhão de habitantes, é forte a marca do últimos 20 anos de penúria econômica: ainda circulam por aqui, e principalmente por todo o interior da Província, os caminhões de transporte de passageiros e os "camelos", fonte de irritação para a população.
Os camelos -boleia de caminhão que carrega uma carroceria de ônibus adaptada- sumiram das ruas de Havana no começo do ano, com a substituição pelos novos ônibus articulados chineses. Mas o recente apertar dos cintos, com a crise global e os três furacões de 2008, deixou de fora várias Províncias. Em Santiago, foram insuficientes.
Todos os ônibus que ligam Havana às capitais de Províncias são novos. Mas a situação é crítica no transporte intermunicipal, feito por versões cubanas do pau-de-arara nordestino.Ontem, a estação fervilhava de gente que ia passar o Ano Novo com os parentes do interior. "O transporte é cabrón [de matar], mas ainda bem que há os caminhões", diz J., 26.
Para J., que estuda jornalismo e cozinha -trabalhar com turismo e fé (o acrônimo bem-humorado local para família no exterior) são as únicas promessa de obter dinheiro- há que comemorar os 50 anos de revolução. Pelo que ouve dos avós, a vida sob Fulgêncio Batista, o ditador derrubado pelos guerrilheiros, era um terror.
Raúl deve discursar para J. e outros que têm insatisfação contida. A queixa de J. é a mesma do resto de Cuba: quer liberdade para viajar, duvida que o problema seja só o bloqueio americano, não queria ser atemorizado pelo risco de ser preso ao vender o frango frito que faz de vez em quando.
O caso de Willy é emblemático do túnel em que se meteu Santiago e o resto do país. Com 36 anos, é um articulado contabilista, mas nunca trabalhou na profissão. Vive de vender o que compra em Segunda Frente, o povoado a meia hora de Santiago que foi uma base do movimento rebelde de Fidel.
"Tenho duas casas, posso convidar uma moça bonita para tomar uma cerveja. Se trabalhasse como contabilista, não poderia." Não quis ir embora? "Não sei nadar."
Willy compõe salsas e boleros, e um deles é sobre a prostituição, que a revolução sonhou varrer de Cuba (ainda que os níveis de hoje não sejam os mesmos de antes de 1959): "São boas e baratas/pela necessidade/dê-lhes uma cerveja/que não há maldade".
É ele quem dá fé de que uma forma de circular o dinheiro na Província, afetada pela decadência açucareira que as fazendas estatais não puderam conter, é a loteria clandestina. Quem recebe dinheiro do exterior ou tem guardado o põe para girar no jogo. Ironicamente, os números correm ou pela TV de Miami ou por uma rádio da Venezuela sintonizada aqui.
A existência de Willy irrita Castillo, um taxista informal da cidade, mostra de que o projeto dos Castro também ressoa. Ele quer que valha uma insígnia de Raúl: "Trabalhem duro!". Castillo viu Fidel discursar em 1959. "Tenho três filhos, dois formados e um estudando. Um é médico, a outra é engenheira. São filhos meus e da revolução. Eles trabalham."


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