São Paulo, terça-feira, 01 de fevereiro de 2005

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ELEIÇÕES ARMADAS

Para o xiita Allawi, votação provou que terror não vence; três soldados americanos morrem em novos ataques

Premiê iraquiano pede união nacional

Nabil Aljurani/Associated Press
Em Basra, policiais iraquianos, os mais visados pelos ataques de insurgentes antes da eleição, festejam no dia seguinte à votação


KAREN MARÓN
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM BAGDÁ

O premiê interino do Iraque, Iyad Allawi, pediu ontem a formação de um governo de união nacional, com a participação de todos os grupos étnicos e religiosos no país, um dia depois que os iraquianos desafiaram o medo de ataques e compareceram maciçamente às urnas em sua primeira votação democrática em 50 anos.
"Os terroristas sabem agora que não podem vencer", disse Allawi, num dia em que ataques mataram aos menos três soldados americanos, ao sul de Bagdá.
"Estamos entrando em uma nova era na nossa história e todos os iraquianos, tenham eles votado ou não, devem ficar lado a lado para construírem seu futuro."
"A partir de hoje, vou começar um novo diálogo nacional para assegurar que as vozes de todos os iraquianos estejam presentes no futuro governo", disse o premiê, xiita, em alusão aos receios de uma forte reação sunita à esperada vitória da maioria xiita na votação. Com o boicote ordenado pelos clérigos, o comparecimento entre os sunitas foi pequeno, ainda que superior às expectativas.
"O mundo inteiro está nos observando. Como trabalhamos juntos ontem para pôr fim a uma ditadura, vamos trabalhar juntos em direção a um futuro brilhante, sunitas e xiitas, muçulmanos e cristãos, árabes, curdos e turcomenos", disse.
A contagem dos votos está em marcha desde a noite de domingo. A apuração aconteceu sob luz de velas -questão obrigatória pelos cortes de energia elétrica a cada duas horas-, com o temor de ataques da insurgência e com o olhar atento dos observadores eleitorais independentes, para quem a votação teve poucas fraudes e alta participação. Apesar do trabalho constante, os resultados preliminares serão conhecidos em sete dias, e os finais, em dez.
A despeito das divergências ideológicas, étnicas e religiosas dos que votaram, o discurso deles se unificou quanto ao objetivo de comparecer às urnas. "Cremos que, quanto mais rápido tivermos um governo legítimo, mais próximo estará o tempo em que os americanos voltarão para sua casa", disse Mohamed, após votar pela primeira vez, aos 34 anos.
Os eleitores compareceram ao compreender que um processo eleitoral exitoso é, neste momento, a única forma de acelerar a desocupação militar e o fim de uma guerra que lhes custou dezenas de milhares de vítimas.
As ruas da capital ficaram semidesérticas pelo feriado que se estendeu até hoje em virtude do plano de segurança que empregou 250 mil homens. As pessoas ficaram em suas casas, restaurantes e bares de hotéis, e apenas se comentava o acontecimento que será "histórico" para os iraquianos, que desafiaram o medo para escolher seu caminho.
"Por que é um dia calmo em Bagdá hoje? Suponho que estejamos tranqüilos por termos feito o que acreditávamos ser o melhor. Ontem vencemos os terroristas, todos juntos. Vencemos o medo", diz Mohamed.
É verdade que nem todos estão de acordo com as eleições e votaram. Nas primeiras horas do "dia seguinte", o Comitê de Ulemás, sunita, que rechaçou a ocupação americana, questionou a legitimidade da votação e qualificou de irreal a imagem de passividade.
A participação variou de acordo com as Províncias e, como se previa, no chamado Triângulo Sunita houve uma abstenção maciça. Num centro eleitoral em Ramadã atacado por granadas de morteiro durante o domingo, votaram apenas 18 pessoas.
A entidade religiosa disse que sua oposição não se centra nos xiitas, mas na realização de uma eleição sob dominação estrangeira, e sustentou que qualquer resultado a favor dos curdos ou dos xiitas seria aceito pelos sunitas se o país não estivesse ocupado.
Nesse contexto, especialistas da região demonstraram preocupação de que as eleições não conduzam à paz e sim a uma guerra civil que espalharia tensão por todo o golfo Pérsico.
Junto com os votos, se contam 40 mortos, quase uma centena de feridos e 30 agentes eleitorais seqüestrados. Eles fazem parte da ameaça lançada pelo terrorista jordaniano Abu Musab al Zarqawi, mas também o fazem os cerca de 60% dos 14 milhões de eleitores que votaram, incluindo-se aí 65% das mulheres registradas, além dos 6.000 candidatos que arriscaram sua vida.
"Os jihadistas e ex-membros do Baath [partido de Saddam Hussein] apareceram como são: uma minoria violenta cujo poder de convicção ou intimidação não se exerce mais do que sobre uma minoria da população sunita", escreveu o jornal francês "Libération" em editorial. Uma minoria perigosa, que não cessará suas ações, mas, ao contrário, as duplicará.

A jornalista argentina Karen Marón é especializada na cobertura de conflitos armados, como na Colômbia, no Peru e no Oriente Médio


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