São Paulo, domingo, 01 de fevereiro de 2009

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Estatização marca 10 anos de Chávez

Presidente, como os seus antecessores, não conseguiu reduzir dependência da produção petrolífera

Presença do Estado inclui varejo de alimentos; queda expressiva da pobreza pode ser ameaçada por inflação e preço do petróleo em baixa

FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS

Dez anos atrás, com o barril do petróleo abaixo dos US$ 10, o recém-empossado presidente Hugo Chávez não falava em socialismo. Cauteloso, nomeou para o Ministério das Finanças Maritza Izaguirre, que já havia ocupado o mesmo cargo no governo anterior, do "neoliberal" Rafael Caldera. E, num gesto inimaginável hoje, participou da abertura de uma sessão da Bolsa de Nova York.
Amanhã, quando Chávez completará uma década como presidente, a economia venezuelana, ainda dependente do petróleo, agora tem uma presença muito maior do Estado, abarcando da comercialização de alimentos no varejo a fábricas de cimento.
"No começo, Chávez não tinha escolha", diz o economista americano Mark Weibrost, codiretor do Centro para Pesquisa em Economia e Políticas Públicas, de Washington. "Ele não poderia cumprir nenhuma promessa de campanha sem antes controlar a PDVSA. Os que controlavam a empresa tentaram derrubá-lo várias vezes."
As mudanças na política econômica para o rumo adotado hoje foram sentidas de forma mais clara a partir de novembro de 2001, quando Chávez promulgou um pacote de leis que incluía o controle acionário estatal das operações petrolíferas. O pacote abriu o período mais crítico da era Chávez, quando a maior parte da oposição buscou derrubá-lo do governo com um frustrado golpe de Estado, em abril de 2002, e uma greve petroleira, entre o fim de 2002 e o início de 2003.
Aos poucos, Chávez recuperou terreno. Após a greve, cerca de 20 mil funcionários da PDVSA foram demitidos e substituídos por pessoas leais ao governo. Em 2004, ele venceu o referendo convocado pela oposição para revogar seu mandato. Foi a época da expansão das chamadas "missões", programas sociais que, financiados pelo preço ascendente do petróleo, foram responsáveis pela diminuição da pobreza de 50,5%, em 1998, para 33,4%, dez anos depois.
Em dezembro de 2006, após ser reeleito presidente e com o petróleo em disparada, Chávez começou um amplo programa de estatização. Assumiu o controle da eletricidade, da maior empresa de telecomunicações, da indústria cimenteira e da maior siderúgica do país.
O governo também cria empresas. Subsidiária da PDVSA, a PDVAL (Produtora e Distribuidora Venezuela de Alimentos) foi lançada há cerca de um ano, quando o país sofria com longas filas para comprar produtos como leite e açúcar. Atualmente, mantém cerca de 1.200 pontos de venda em todo o país. Os alimentos, vendidos de forma racionada, são mais baratos do que nos mercados privados, e quase tudo que se comercializa vem do exterior, principalmente do Brasil.

Câmbio e especulação
Outro pilar da política econômica de Chávez é o controle de câmbio, adotado desde fevereiro de 2003 para evitar a fuga de divisas. Atualmente, enquanto a taxa oficial fixa US$ 1 em 2,15 bolívares, no paralelo o dólar fechou a semana passada em 5,70 -diferença de 165%.
O enorme desequilíbrio entre o câmbio oficial e o das ruas tem gerado vários tipos de esquemas para ganhar dinheiro com a conversão. Um dos mais conhecidos era viajar ao exterior com cartões de crédito de "laranjas" -atualmente, cada pessoa tem direito a US$ 2.500 anuais pelo câmbio oficial-, retirar dólares em caixas automáticas e revendê-los no país.
"É incrível a magnitude de especulação que gera um projeto socialista", afirma o economista Orlando Ochoa, crítico da política econômica. "O governo Chávez comete o típico erro latino-americano: fazer pouco caso da macroeconomia para, em tempos de crise, correr o risco de perder tudo o que se conseguiu avançar em combate à pobreza."
Ochoa prevê uma contração de 2% a 2,5% no PIB venezuelano deste ano. "Os preços do petróleo foram usados para esconder os erros econômicos. Com a queda, o desequilíbrio econômico reduzirá o benefício dos programas sociais."
Em estudo divulgado na semana passada, o grupo de economistas opositores do qual Ochoa faz parte advertiu que a recente transferência de US$ 12 bilhões dos US$ 43 bilhões de reservas do Banco Central para um fundo administrado por Chávez aumenta a vulnerabilidade externa e a pressão inflacionária. A Venezuela já é o país com a maior inflação da região - 30% no ano passado.
Com uma opinião mais favorál a Chávez, Weisbrot também critica a política de câmbio, apontada por ele como um dos problemas empecilhos a que a economia venezuelana se desvencilhe do petróleo. O economista americano, no entanto, vê a Venezuela numa situação muito mais confortável do que a de outros países.
"As reservas estão acima do 25% do PIB. Não há emergência, não há nenhum tipo de colapso iminente como ocorreu com a Argentina, em 2001, ou com os EUA, no ano passado."
Segundo Weisbrot, a economia ainda pode aguentar por até dois anos um cenário de petróleo barato. "E nenhum especialista está prevendo que o preço do barril continue tão baixo para sempre", diz.


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