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Demora ameaça julgamentos sobre ditadura na Argentina
Em dezembro, Justiça mandou soltar, por decurso de prazo, 30 acusados de crimes
Impasse coloca em xeque um dos trunfos dos Kirchner e motiva acusações entre os Poderes; desde 2003, 12 de 800 causas foram julgadas
THIAGO GUIMARÃES
DE BUENOS AIRES
A libertação recente de acusados de delitos durante o último regime militar na Argentina (1976-1983) põe em xeque
um dos principais trunfos eleitorais do casal Néstor e Cristina Kirchner: o julgamento de
crimes da ditadura.
A demora nos processos em
curso ficou exposta em dezembro, quando a Justiça mandou
soltar 30 acusados, entre eles
ícones da repressão como o ex-capitão-de-fragata Alfredo Astiz, 57, por excesso de tempo na
prisão sem julgamento.
Foi o estopim para comoção
na mídia, no meio político e de
direitos humanos, seguida por
troca de acusações entre os Poderes. A presidente Cristina
Kirchner falou em "dia de vergonha para os argentinos, a humanidade e nosso sistema judicial". A Corte Suprema rebateu
e cobrou do Congresso uma reforma do processo penal.
Astiz e outros 23 acusados
continuam presos porque o Ministério Público recorreu, mas
seis ex-policiais do primeiro
centro clandestino de detenção
onde se acharam restos humanos -o "Poço de Arana", em La
Plata- foram soltos.
Todas as liberações partiram
da Câmara Nacional de Cassação Penal -a última instância
para apelações antes da Corte
Suprema. A justificativa: vencimento do prazo legal de três
anos para prisão preventiva
sem condenação.
Até entidades de direitos humanos reconhecem o impasse.
"Quanto ao Direito, as sentenças [de liberação] são corretas",
diz Carolina Varsky, diretora
do Cels (Centro de Estudos Legais e Sociais). Astiz está preso
desde setembro de 2003.
Das cerca de 800 causas reabertas desde 2003, apenas 12
foram a julgamento, com 36
condenações. Somente em
2008 houve 200 novos processados -57% a mais do que em
2007. Falta de estrutura judicial e excesso de recursos são
apontados como razões do afunilamento do sistema.
Retomada
Enquanto no Brasil a Lei de
Anistia de 1979 ainda vige e nenhum militar foi julgado por
crimes durante o regime (1964-1985), a Argentina é o país que
mais reviu os delitos da ditadura. O governo já confirmou 12
mil mortos ou desaparecidos,
de 30 mil relatados.
Ainda sob Raúl Alfonsín
(1983-1989) houve o júri dos
ex-comandantes militares, mas
a reação das Forças Armadas
levou à promulgação de leis de
perdão -derrubadas por Néstor Kirchner (2003-2007).
Os governos Néstor e Cristina capitalizam a revisão dos
crimes da ditadura e atacam a
Justiça pela lentidão dos processos -pedidos de destituição
de juízes são frequentes.
Luis Além, subsecretário federal de Direitos Humanos, vê
uma situação "kafkiana", na
qual juízes que demoram a
marcar julgamentos liberam
acusados por decurso de prazo.
"Há cumplicidade ou mau
desempenho", afirma Além,
que defende a extensão das prisões preventivas em casos graves, de repercussão social e
com perigo de fuga.
Para o Ministério Público, o
problema não é só judicial, mas
da legislação que prevê a condução exclusiva das apurações
pelos juízes -promotores, por
exemplo, não podem ouvir acusados.
"O ideal seria determinar
bem as funções: o promotor investiga e o juiz decide", diz
Juan Mercau, secretário da
unidade que acompanha todos
os processos de crimes da ditadura pelo país.
Defesa
Há também quem aponte desinteresse dos argentinos pelo
tema. "Hoje a causa dos direitos humanos não mobiliza mais
o público, que está mais preocupado com a inflação, impostos", diz o advogado de Astiz,
Juan María Cobo. Para Além, a
afirmação é um "disparate", e
há "consenso geral" sobre a necessidade dos julgamentos.
"Não defendo ideologias,
mas o Estado de Direito." Assim Cobo apresenta seu trabalho de defesa de Astiz.
O ex-militar (destituído em
1998), apelidado de "anjo loiro
da morte", responde pelo sequestro e desaparecimento de
cerca de 80 pessoas. "A Marinha me ensinou a matar", disse
em célebre entrevista de 1998.
Foi citando garantias constitucionais como a presunção de
inocência que Cobo obteve a libertação do ex-militar. Suspensa a medida, Astiz continua a
ocupar uma cela individual de
11 m2, "escura, mal ventilada e
suja" na Penitenciária de Marcos Paz, unidade civil de segurança máxima na Grande Buenos Aires. Recebe visitas duas
vezes por semana.
O advogado diz que Astiz só
cumpriu ordens e tarefas de inteligência. "Se participou de
enfrentamentos, não sei." Afirma que não há interesse em finalizar os julgamentos porque
isso significaria o fim do financiamento a entidades de direitos humanos. Termina defendendo seu direito a recorrer de
todas as decisões. "Se não querem que isso [processos] se dilate, que modifiquem a lei."
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