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Migrantes cubanos são "ilegais" em Havana
Decreto de 1997 proibiu fluxo do interior para a capital; batizados de "palestinos", os que chegam vivem clandestinamente em favelas
De janeiro a agosto de 2008,
2.397 pessoas foram
deportadas; assentamentos
são foco de ressentimento
com o regime de Fidel Castro
FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A HAVANA
Enquanto entretém Eduardo, agarrado a sua cadeira, Yoleinis tenta explicar porque há
um ano, desde que ele nasceu
em fevereiro de 2008, não consegue registrá-lo como cidadão
cubano. Ela é de Santiago de
Cuba, no leste, e não tem permissão oficial para viver em
Havana. Por isso não lhe dão a
certidão de nascimento.
A história da moça, de 20
anos, é uma das consequências
mais dramáticas de um decreto
baixado em 1997 pelo governo
cubano para conter o fluxo migratório do interior para Havana, quando a crise apertou.
Desde então, quem é de fora
da Província da capital tem de
provar que tem um endereço
"salubre" para poder trabalhar
formalmente na cidade, receber a libreta -a quantidade
mensal de comida e produtos
de higiene subsidiada pelo governo- registrar um bebê ou
conseguir leite para ele.
Sem direito ao território, migrantes como Yoleinis sofrem
com medo da polícia e com o
preconceito dos havaneros, que
lhes batizaram de "palestinos".
Se em Estados como São Paulo
nordestinos já receberam "incentivos" para deixar a cidade,
como passagens de ônibus, em
Cuba, a desobediência dos migrantes pode dar cadeia.
Segundo dados oficiais, em
2008, até agosto, 2.397 pessoas
foram "deportadas". Desde
2006, foram 20 mil, muitos
reincidentes.
Para sair da condição de cidadãos de segunda classe, os imigrantes, a maioria do leste do
país, podem conseguir uma
permissão temporária, mas a
permanente é uma luta num
sistema burocrático: depende
de uma combinação de fatores
como grau de parentesco com
os havaneros, metros quadrados da casa por cabeça, falar
com o delegado local.
Como em Havana há grande
déficit habitacional -com várias famílias sob o mesmo teto- a situação se complica ainda mais. Há quem venda o endereço para os "palestinos". Há
quem consiga subornar funcionários para obter a permissão.
"Estou correndo para conseguir um endereço aqui para
voltar a trabalhar. Dizem que
tenho de ir para o oriente fazer
o registro do Eduardo. Mas como? Nunca voltei a Santiago.
Estudei aqui, me formei aqui",
diz Yoleinis, em sua casa no assentamento ilegal de Los Mangos, na periferia de Havana.
Tudo isso ela também diz numa carta de quatro folhas, em
bonita caligrafia a lápis, em que
apela ao próprio Fidel Castro.
Ela acha que pode funcionar
entregá-la aos guardas da Praça
da Revolução, a meia hora dali.
"Vão entregar. Não adianta falar com mais ninguém."
Ressentimento
Los Mangos, com casas de
madeira e metal, energia por
"gato" e sem recolhimento de
lixo, é um dos 46 assentamentos ilegais contabilizados oficialmente nos 15 distritos de
Havana. Fica em San Miguel
del Padrón, que abriga mais da
metade dos "llega y pon", as
neofavelas cubanas.
O local é quase como qualquer periferia da América Latina. Uma diferença é que, como
em toda Cuba, as crianças, mesmo as ilegais, podem estudar, e
as mães fazem pré-natal regularmente -uma dissonância
em relação ao modelo migratório chinês, que proíbe o acesso a
serviços como este fora do lugar de origem.
Mas os direitos param por aí.
Daí o ressentimento e irritação
que paira nas neofavelas.
"Não dizem que somos socialistas, que somos livres e soberanos? Sou cubano como todos
os outros. Não estou ilegal na
Espanha. Aqui não temos organizações que protestem contra
o governo. Aqui quem faz isso é
contrarrevolucionário", diz José, 25. Ele é reincidente. Há
dois anos, foi pego vendendo
produtos no mercado negro.
Sem papéis, foi sumariamente
deportado de volta para Santiago de Cuba, sem direito de passar em casa para pegar os pertences. Dois dias depois, voltou.
Ao lado dele, Ramón, 26, conta a mesma história: "Chamam
de palestinos porque somos cidadãos de segunda, de terceira
classe. Mas os "orientales" são
os policiais, os professores; fazem tudo que o havanero não
quer fazer".
Los Mangos vive com a promessa de ser regularizado há
anos. Há cerca de três, numa
rara ação conjunta pública em
desafio ao governo, os moradores impediram que a polícia os
despejasse do local. Uma casa
foi derrubada e a população
saiu às ruas aos gritos de "Viva
Fidel" e "Em Cuba não há despejo!". Os policiais recuaram.
Para Aleida, 41, de Guantánamo, vendedora de café e cigarros em Los Mangos, a situação
é sem saída. "Você acha que
eles não sabem da situação
aqui? Eles sabem. Só não sabem o que fazer com a gente."
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