São Paulo, domingo, 01 de abril de 2007

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Argentina endurece no aniversário das Malvinas

Kirchner politiza os 25 anos da guerra, enquanto Londres mostra desinteresse

Nenhum membro da família real inglesa participará das celebrações pela vitória de 1982, que selou o destino da ditadura militar argentina

BRUNO LIMA
DE BUENOS AIRES

MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DE LONDRES

"Máximas de hoje para todo o país: Ilhas Malvinas, 7ºC. Mínima: 5ºC." A informação é da TV Argentina e está lá todos os dias, várias vezes por dia. Não importa o canal -as ilhas estão em todos eles. Nos jornais, a mesma história. Só o que muda é a temperatura.
Um quarto de século após a Guerra das Malvinas e 174 anos depois de perder o domínio sobre as ilhas, a Argentina segue vivendo como se as Malvinas fossem ainda parte do país. "Elas são parte do país. Só que estão tomadas pelos ingleses", diz o ex-soldado e jornalista argentino Edgardo Esteban, autor de um livro sobre a guerra.
O que mudou, neste ano, foi a temperatura política. Com eleição para a Casa Rosada em outubro e com a efeméride dos 25 anos do combate (iniciado em 2 de abril de 1982 e finalizado, com a vitória inglesa, em 14 de junho daquele ano), o presidente argentino, Néstor Kirchner, endureceu sua posição e cancelou um acordo de cooperação com o Reino Unido.
Abandonando o furor argentino e atravessando o Atlântico, é possível descobrir, nas ruas de Londres, um rarefeito interesse pelo mesmo arquipélago.
Perdidas em meio a tantos territórios britânicos, as ilhas Falkland, como o Reino Unido as chama, nem mesmo são um ponto turístico badalado como é Bermudas ou Ilhas Virgens.
O desinteresse, porém, não tem resquício de culpa imperialista: a maioria da população não tem dúvidas de que a guerra foi necessária e de que o Reino Unido estava correto.
Na semana passada, em entrevista ao seu site oficial, o premiê Tony Blair afirmou que a decisão de Margaret Thatcher de enviar forças militares às ilhas, após sua tomada pelos argentinos em abril de 1982, exigiu "muita coragem política" e que ele teria feito o mesmo.
"Quando olho para trás, não tenho dúvida de que foi a coisa certa a fazer", disse Blair, o único premiê britânico a visitar a Argentina desde o conflito. A declaração, que irritou a Casa Rosada, não causaram tanta espécie em terras inglesas.

Conflito "tolo"
Um dos poucos britânicos críticos da guerra, o jornalista Max Hastings, autor de dois livros sobre o tema, afirma que, ainda que na época a ação tenha parecido sensata, ele diz ver hoje o conflito como algo "tolo".
"A única lição da guerra foi que o sucesso justifica tudo. Se Thatcher tivesse perdido, seu governo teria caído", disse Hastings no jornal britânico "The Guardian". "Se o Iraque fosse hoje pacífico, ninguém estaria ligando para a ausência das armas de destruição em massa."
Na Argentina, o ditador Leopoldo Galtieri (1926-2003) de fato deixou o poder com o fracasso na guerra. O objetivo era dar sobrevida à ditadura, mas a democracia veio em 1983.
"Foi um gesto egoísta, vil, da Junta Militar, que não considerou a questão das Malvinas em si, mas a possibilidade de perpetuar-se no poder", diz Ernesto Alonso, 44, que foi à guerra aos 18 anos e milita em um centro de ex-combatentes.
Para Thatcher, ao contrário, a guerra pôde de reverter uma crise de popularidade. O episódio vai virar filme, segundo anúncio das produtoras Pathé (que fez "A Rainha", de Stephen Frears) e BBC.
A Constituição argentina estabelece as Malvinas como "um objetivo permanente e irrenunciável do povo argentino".
A Argentina reclama que o Reino Unido ignora as recomendações da ONU e se recusa ao diálogo. O Reino Unido diz que não dialoga até que os moradores da ilha -a maioria descendente de britânicos- decidam seu futuro.
"É claro que eles não vão optar pela Argentina. São britânicos. Estão ali porque os ingleses expulsaram os argentinos", diz o deputado argentino Jorge Argüello, que preside o Observatório Parlamentar Questão Malvinas.
O deputado, governista, também critica os festejos planejados pelos britânicos para o 14 de junho. "A Grã-Bretanha está tentando tapar, com um sucesso de 25 anos atrás, um fracasso de agora no Iraque", declarou.
De acordo com Derek Twigg, representante dos veteranos no Ministério da Defesa inglês, as celebrações "não serão triunfantes". "Vamos reconhecer as perdas dos argentinos também", disse. Nenhum representante sênior da pasta ou da família real irá às ilhas, decisão que irritou os veteranos ingleses, sobretudo porque o príncipe Andrew, irmão de Charles, esteve na guerra.
A celebração oficial britânica -que coincide com a festa pelo aniversário oficial da rainha, em 16 de junho-, durará quatro dias, na Inglaterra e nas ilhas, com desfiles de veteranos e da cavalaria, e transmissões simultâneas de eventos entre Londres e as Falklands.


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