São Paulo, domingo, 01 de abril de 2007

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Artistas se dividem ao retratar o controvertido Sarkozy

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS

Os desenhistas franceses René Pétillon e Riss concordam que o desenho político é um universo à parte, onde toda eleição é especial. Mas um mesmo elemento une qualquer pleito: a dramaturgia própria.
Desenhista de um livro sobre o candidato da direita à Presidência da França, Nicolas Sarkozy, Riss diz: "Sim, a política tem uma "mise en scene" especial e é isso que permite que ela vire quadrinho" -enquanto confessa um certo tédio para traçar "Sarkô", um homem que, segundo ele, "faz sempre o mesmo número".
Depois de um ano desenhando o personagem, Riss diz não agüentar mais vê-lo, o que soa como metáfora das posições tanto dele como de Pétillon para as próximas eleições francesas -os dois conversaram sobre o tema a convite da Folha.
Pétillon "gosta" de Sarkozy por motivos diferentes: "É um ótimo personagem de apoio para Chirac e [o primeiro-ministro] Villepin. Ele me inspira. Eu adoro desenhar Chirac. É um personagem formidável."
Pois bem, o atual presidente da França aparece de maneiras bastante diferentes nos desenhos dos dois. Pétillon o faz malemolente, curvilíneo, com seu marcante nariz alongado como o de um Pinochio. Já Riss traça a mesma protuberância de forma aquilina, pontiaguda.
Uma explicação seria técnica: cartum "feito com traços mais simples, despojados", como explica o cartunista é muito diferente de quadrinho "que exige uma preocupação com a narração, a atmosfera", como diz o quadrinista. Apesar das diferenças, um mesmo movimento os une os desenhistas: a indignação, sem militância.
"Em geral, aquilo que me inspira é o que me enerva. É uma dramatização da minha reação. É para ser engraçado, mas tem que passar pela ironia", diz Pétillon. "É o interesse pela política que move o desenho, mas não se pode ser militante. O objetivo não é lutar contra ou a favor de nada", completa Riss.
Na França, a charge política não é tão publicada quanto no Brasil. Os dois desenhistas lamentam que o desenho político seja relegado mais aos jornais satíricos. Desconhecedores da vida política e jornalística brasileira, dizem que seria difícil emplacar um gibi com um personagem como Lula.
"Provavelmente, o único líder latino-americano que poderia interessar aos franceses seria Fidel Castro", diz Pétillon. "Poucos líderes do mundo interessariam, aliás. Mas talvez George Bush", completa Riss, com a expressão de quem começa a maquinar alguma coisa.

A pergunta de Sarkô
O livro "La face karchée de Sarkozy", no qual o candidato é traçado por Riss, ocupa lugar especial na galeria da reinvenção da política pelo desenho.
Mais do que uma compilação de piadas, o álbum de 150 páginas é uma pesquisa jornalística extensa, com bibliografia, fac-símiles de documentos, reconstituição de fatos etc.
A diferença em relação a biografias habituais é o formato: a saga de Sarkozy é contada como história em quadrinhos. Com balões e tudo. E a partir de uma inusitada e fictícia pesquisa de doutorado apresentada na Sorbonne em 2098!
Nasceu de uma pergunta que intrigava o jornalista francês Philippe Cohen em 2004, quando ele começou a pesquisa, que durou um ano e meio.
"Naquele momento, Sarkozy ocupava todos os horizontes da política francesa e não havia dúvida de que ele seria presidente agora. E como é definitivamente um personagem que não convém ao país, eu queria entender porque todo mundo o achava indestrutível", diz Cohen, 53, com passagens por veículos importantes em seu país.
Para Cohen, a resposta para a pergunta é a mesma aplicável àquela sobre a opção dele e de Richard Malka, advogado do "Charlie-Hebdo", semanário em que trabalha Riss, por fazer uma "bande dessinée": a conversão dos atores políticos contemporâneos em... atores.
"Sarkozy não acredita na França, não crê em nenhuma idéia de fato, é cínico. Seu traço ideológico mais forte é se converter em personagem, interpretar um papel midiático", diz.
O candidato de direita, entretanto, para ele, não está sozinho. Ele e a socialista Ségolène Royal, são ambos ótimos para os quadrinhos, ou seja, operam segundo a mesma mecânica:
"Sou ligado a uma forma tradicional de política, do debate de idéias. E os dois fundam a política em suas próprias personalidades", afirma. "No caso de Ségolène, o fato de ela colocar um vestido branco ou um vestido vermelho se tornou mais importante do que sua mensagem."
(ALEXANDRE WERNECK)


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