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ANÁLISE
Estratégia do Irã faz lembrar a Guerra Fria
Essa disputa é mais do que sobre transparência: é sobre orgulho nacional e sobre a insistência do Irã na auto-suficiência e na independência
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DAVID E. SANGER
ELAINE SCIOLINO
DO "NEW YORK TIMES"
Irã e EUA começaram a revelar
novas estratégias em sua disputa
nuclear que parecem apontar para um confronto, enquanto procuram tirar partido de um relatório muito crítico -divulgado pela Agência Internacional de Energia Atômica na sexta- que traça
o perfil de um programa nuclear
funcionando a toda velocidade e
envolto em um sigilo crescente.
O que foi mostrado nos últimos
dias evoca, em muitos aspectos,
os blefes e ameaças da Guerra
Fria, mas decididamente com alguns novos elementos, em uma
era nuclear que já é bastante diferente. E, como nos primeiros tempos da Guerra Fria, ambos os lados estão tentando reescrever as
regras durante o vôo, servindo-se
de todos os instrumentos de manobra disponíveis -das ameaças
americanas de sanções contra o
Irã às ameaças iranianas de corte
no fornecimento de petróleo.
Para a AIEA, o Irã foi bem-sucedido ao conseguir, gradualmente,
despistar os inspetores da agência, negando-lhes acesso a locais
cruciais e recusando-se a responder questões sobre suspeitas de ligações entre os programas nucleares civil e militar do país.
Na sexta-feira, Gholamreza
Aghazadeh, chefe da Organização
Atômica do Irã, e outras autoridades do país descreveram seu programa de enriquecimento de urânio como "irreversível". Disseram
que os EUA deveriam simplesmente aceitar isso como um fato
-assim como hoje aceitam abertamente que Índia e Paquistão jamais abandonarão seus programas nucleares.
No sábado, o presidente do Irã,
Mahmoud Ahmadinejad, disse
que abandonar o enriquecimento
de urânio "é nossa linha vermelha, e nós nunca a cruzaremos".
Mas ainda não se trata de uma
contenda entre potências nucleares -acredita-se que o Irã ainda
não tenha construído uma bomba, e os serviços de inteligência estimam que ainda sejam necessários entre cinco e dez anos para
que o faça -admitindo-se que
não haja nenhum esforço clandestino ainda não-detectado.
Mas existe um esforço por parte
dos EUA e de algumas outras nações para reescrever as regras nucleares, afirmando que, ainda que
esteja legalmente de acordo com o
Tratado de Não-Proliferação Nuclear, para enriquecer urânio apenas para fins civis, não se pode
acreditar em Ahmadinejad -que
falou em destruir Israel e restaurar o Irã como a maior potência
do Oriente Médio.
Por despistar a agência nuclear
sobre suas atividades -dizem
aos governos dos EUA, da França
e do Reino Unido-, o Irã abriu
mão de qualquer direito que um
dia possa ter tido.
Mas Bush reconhece tacitamente que a credibilidade dos EUA foi
profundamente arranhada pelos
fracassos dos serviços de inteligência em relação ao Iraque. Na
sexta-feira, ele tentou afastar as
suspeitas de que estivesse buscando a mesma base legal que justificou a invasão do Iraque: "Há uma
diferença entre os dois países".
E, pela primeira vez, os EUA
disseram publicamente, como fizeram com relação ao Iraque,
que, se o Conselho de Segurança
fracassar, eles organizarão "nações que pensem da mesma forma" para punir o Irã.
O Irã tem respondido com suas
próprias ameaças, sabendo que o
espectro do confronto provocará
tensão no mercado de petróleo e
empurrará os preços a novos patamares, enriquecendo o próprio
Irã e jogando os problemas para
Bush e os consumidores dos EUA.
O exemplo da Coréia do Norte
Mas, enquanto insiste que suas
atividades estão dentro das obrigações previstas pelo Tratado de
Não-Proliferação Nuclear, o Irã
ignora que a AIEA considera que
Teerã escondeu por duas décadas
algumas de suas atividades.
O relatório publicado na sexta
acusa o Irã de continuar ocultando informações vitais.
Mas essa disputa é mais do que
sobre transparência -é sobre orgulho nacional e sobre a insistência do Irã na auto-suficiência e independência.
Isso pode ajudar a explicar por
que o Irã celebrou o enriquecimento de urânio com dançarinos
em roupas tradicionais na rede de
TV nacional.
O relatório dos inspetores da
AIEA confirmou que o Irã foi
bem-sucedido em enriquecer
urânio em um estágio baixo, mas
que será preciso muito mais para
produzir combustível para uma
bomba atômica.
""A questão aqui não é sobre se o
Irã tem um programa de armas
nucleares, mas se ele pode criar
um programa assim", afirmou
Gary Samore, que liderou os esforços pela não-proliferação nuclear durante o governo de Bill
Clinton e continuou estudando o
programa iraniano desde então.
É isso o que mais preocupa as
autoridades do governo Bush.
Elas observam que hoje é largamente admitido que a Coréia do
Norte já possui várias armas nucleares, embora nunca tenha conduzido um teste nuclear. "Achamos que os iranianos olharam para os norte-coreanos e aprenderam uma lição", afirmou uma autoridade do governo Bush.
Seria um procedimento muito
diferente do que aquele adotado
pelos russos no final dos anos
1940, pelos chineses no início dos
anos 1960 ou por indianos e paquistaneses no final dos anos 1990
-que realizaram explosões nucleares para darem prova de seu
poderio.
E, dada a limitada capacidade
dos inspetores da AIEA de examinarem atividades clandestinas,
não há como comprovar as afirmações do Irã.
Devido ao risco de que o Irã
possa construir uma bomba,
Bush adotou a posição de que o
Irã deve abandonar tudo. Na sexta, afirmou: "Os iranianos não devem ter uma arma nuclear, a capacidade de construir uma arma
nuclear ou o conhecimento para
fazer uma arma nuclear".
Russos e chineses vêem essa posição como não-realista. Uma autoridade do governo chinês afirmou que já é tempo de uma nova
abordagem, de "détente", em relação ao Irã.
E, em Viena, o diretor-geral da
AIEA, Mohamed El Baradei, deixou claro, em conversas com diplomatas, que o pragmatismo sugere que o Irã possa realizar alguma forma limitada de enriquecimento de urânio, monitorado
constantemente por sua agência.
Mas há o temor de que a AIEA
esteja vendo somente parte do
programa e de que as respostas
evasivas às perguntas da agência
tenham como intenção ocultar
um programa clandestino, em alguns lugar sob o deserto.
E, como o Irã restringe o acesso
dos inspetores, será mais difícil
saber àquilo com que o Irã mais se
assemelha: o -bastante real-
programa paquistanês que os iranianos perseguiram uma década
atrás ou a miragem nuclear no
Iraque.
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