São Paulo, sexta, 1 de maio de 1998

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Associated Press
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TIMOR LESTE
Em entrevista à Folha, o prêmio Nobel José Ramos-Horta diz que Indonésia deixou de ser tigre e virou "gato pobre'
Crise indonésia leva separatistas a aliança

OTÁVIO DIAS
da Reportagem Local

O Nobel da Paz José Ramos-Horta, que recebeu o prêmio em 96 por causa de sua luta pela independência de Timor Leste, ex-colônia portuguesa no sudeste da Ásia anexada pela Indonésia em 76, anunciou esta semana a criação de uma única organização que reuniria todos os grupos timorenses favoráveis à autodeterminação dos habitantes da região.
Os 21 membros do novo Conselho Nacional de Resistência Timorense foram eleitos durante reunião realizada em Portugal. Segundo Ramos-Horta, 48, um dos vice-presidentes da nova entidade, "é a primeira vez que todos os setores da sociedade de Timor Leste se unem em uma única entidade".
O conselho será presidido por Xanana Gusmão, líder pró-independência preso desde 92. O nome do outro vice-presidente não foi anunciado por razões de segurança, pois atuaria em Timor Leste.
Ramos-Horta foi um dos fundadores da Fretilin (Frente Revolucionária do Timor Leste Independente), o grupo de esquerda que declarou a independência da região em 28 de novembro de 75.
À época, a Fretilin enfrentou resistência de outros grupos que preferiam a integração à vizinha Indonésia. Em 7 de dezembro, nove dias após a independência, a Indonésia invadiu a região.
Além da Fretilin, há outros grupos pró-independência. Só agora, 22 anos depois, eles anunciam uma união. "Estávamos desorganizados, mas agora demos uma manifestação inequívoca de unidade nacional e coesão", afirmou Ramos-Horta, em entrevista à Folha por telefone de Lisboa.
Ele é o principal ativista internacional da causa e defende uma solução pacífica, motivo pelo qual recebeu o Nobel da Paz.
A Fretilin, entretanto, realiza ações armadas, e os guerrilheiros fazem parte do novo conselho. Ramos-Horta explica a contradição com o argumento de que a guerrilha nunca atacou alvos civis e aceita suspender suas atividades se a Indonésia topar um diálogo.

Folha - Por que foi criada a nova entidade e como é formada?
José Ramos-Horta -
Decidimos fundar o Conselho Nacional de Resistência Timorense, que vai coordenar todas as ações. Os 21 membros foram eleitos e são pessoas de grupos diversos, com diferentes opiniões sobre qual seria a melhor estratégia de resistência, além de diferenças ideológicas. Mas todos têm algo em comum: o desejo de autodeterminação. É uma manifestação inequívoca de unidade nacional e de coesão.
Folha - Quais são os principais grupos que formam o conselho?
Ramos-Horta -
A Fretilin (Frente Revolucionária do Timor Leste Independente), com uma ideologia mais de esquerda, e a União Democrática Timorense, mais conservadora. Há também o Conselho Nacional de Resistência Maubere e a guerrilha Falintil (Forças Armadas de Libertação Nacional de Timor Leste). E diversas associações de jovens, estudantes, ex-presos políticos, intelectuais etc. Dos 21 membros do conselho, um terço está no exterior, e dois terços, em Timor Leste.
Folha - O sr. recebeu o Nobel da Paz em 96, juntamente com o bispo Carlos Filipe Ximenes Belo, administrador apostólico de Dili, capital de Timor Leste, porque ambos sempre buscaram uma solução pacífica. O fato de o conselho incluir representantes da guerrilha não vai contra essa idéia?
Ramos-Horta -
Mantenho minha convicção de que o melhor é a solução pacífica por meio do diálogo. Mas reconheço o direito dos oprimidos de se defender com uma arma nas mãos. Em 23 anos de resistência, a guerrilha de Timor Leste nunca atacou civis, seja em Timor ou na Indonésia. Os alvos sempre foram militares.
Folha - Mas a inclusão da guerrilha não pode dificultar o diálogo?
Ramos-Horta -
A guerrilha já se declarou disposta a aceitar um cessar-fogo se a Indonésia parar com a repressão e começar a conversar.
A comunidade internacional não tem autoridade moral para exigir que a resistência suspenda unilateralmente a luta armada, pois vende armas para o Exército da Indonésia. Além disso, a inclusão da guerrilha é positiva porque, quando chegar o momento de suspender a luta armada, será mais fácil transmitir ao grupo nossa decisão.
Folha - Por que só agora, 22 anos depois da anexação, os diferentes grupos de resistência se uniram?
Ramos-Horta -
Fala-se muito na divisão dos grupos pró-independência, mas, se nós fôssemos tão divididos, não teríamos resistido tanto tempo. Somos um país pequeno, com cerca de 800 mil habitantes. A Indonésia tem 200 milhões de habitantes e um Exército de 400 mil homens. Antes estávamos desorganizados, mas agora, apesar de algumas divergências, todos temos uma única causa: a conquista da autodeterminação.
Folha - Quais serão os primeiros passos do novo conselho?
Ramos-Horta -
Do ponto de vista externo, vamos continuar mobilizando a opinião pública internacional e a própria sociedade indonésia. Mas a verdadeira resistência -política, cultural, religiosa e mesmo armada- está em Timor. Por isso, dois terços dos membros do conselho estão lá.
Folha - Em sua opinião, quais são as chances de se conseguir a independência de Timor Leste?
Ramos-Horta -
A conjuntura é favorável. O regime militar da Indonésia está ameaçado pela crise econômica e financeira da Ásia.
No plano doméstico, os estudantes e outros setores estão protestando. Do ponto de vista internacional, o país está mais vulnerável às pressões. A Indonésia deixou de ser um tigre da Ásia. Virou um gato pobre.




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