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São Paulo, domingo, 01 de junho de 2003

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CAÇA-NÍQUEIS

Banalização das cobranças e exploração do jogo são apostas da prefeitura para tapar rombo orçamentário

Em crise fiscal, Nova York fomenta indústria da multa

ROBERTO DIAS
DE NOVA YORK

Com dores nas costas, uma grávida sentou-se na escada do metrô, foi multada em US$ 50 por isso e entrou para a história como símbolo de uma das piores crises fiscais da história de Nova York.
Com um rombo de US$ 3,8 bilhões no caixa da prefeitura, os nova-iorquinos vêem a polícia apertar o rigor com as multas a um nível que tem gerado revolta.
A caça às pessoas que alimentam pombos nos parques e aos que param o carro diante da própria garagem, porém, não são a única esperança para tapar o buraco no orçamento.
O Estado de Nova York, também em apuros, quebrou uma norma de três séculos para permitir que mercados vendam álcool aos domingos -veto que sobrevivera até ao fim da lei seca.
Além disso, o prefeito Michael Bloomberg mudou de posição em relação ao jogo e passou a apoiar uma medida que vai permitir a abertura de caça-níqueis pela cidade, uma tentativa de aumentar a receita com impostos.
A crise é o reflexo mais tardio dos atentados de 11 de setembro de 2001, que abalaram de maneira única a economia de Nova York, lugar mais afetado pelos ataques. O desemprego local, mais alto do que a média nacional, é uma das pontas da paralisia que diminui a arrecadação fiscal.
"A gestão de Bloomberg vai ficar marcada pelo problema orçamentário", diz Anthony Townsend, da New York University.
Afogada, Nova York subiu as alíquotas dos impostos e fechou algumas unidades do Corpo de Bombeiros, vistos como heróis por sua atuação nos atentados.
A reação popular ao aperto, porém, só foi mesmo catalisada após uma associação de policiais lançar uma campanha publicitária pedindo à população que não ficasse brava com os oficiais -segundo a entidade, eles precisam cumprir cotas de multas para ajudar o orçamento municipal.
Enquanto a prefeitura nega ter dado tal ordem, casos estranhos pipocam pela cidade.
Um homem foi multado porque usou um engradado de leite como assento na calçada -a polícia defende a multa dizendo que se tratava de uma região com alto índice de criminalidade.
Outro recebeu notificação porque embalou de forma errada os jornais para serem reciclados. Uma mulher foi multada três dias seguidos em US$ 35 porque parou seu carro batido diante da sua casa enquanto esperava a resposta do seguro. O motivo alegado para a punição: faróis quebrados.
Mas foi o caso de Crystal Rivera, 18 anos de idade e seis meses de gravidez, que deu corpo à epopéia das multas. Mesmo apontando a barriga e reclamando de dor nas costas numa estação do metrô do Brooklyn, ela não foi perdoada. "Era difícil me dizer: "Você pode se levantar'?", reclama Rivera.
Com a pressão à porta por causa de casos assim, Bloomberg, um bilionário do ramo das comunicações, tem precisado mostrar muito jogo de cintura para evitar que sua impopularidade, já em nível recorde, cresça mais.
Disse que não havia cotas aos policiais, apenas "ferramentas de medição" do desempenho.
Citou a lei. "A Câmara faz as leis, é trabalho da polícia aplicá-las. Se as pessoas não gostam de determinadas leis, sugiro que liguem para a Câmara."
Fez um rapidíssimo mea-culpa. "Se eventualmente há uma multa que não faz muito sentido, talvez no caso da futura mamãe, é uma pena que isso aconteça."
Mas não escapou de reconhecer que algumas multas a mais não são má idéia. "A cidade precisa de dinheiro. Temos de conseguir recursos em algum lugar, e multas são adicionais bem-vindos aos impostos."


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