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Uso de máquina pública marca eleição na Bolívia
Há denúncias de coerção de servidores públicos e de uso irregular da TV estatal
Acusações, que envolvem os
dois lados, citam campanha
pelo "sim" ao referendo
sobre autonomia e eleição
da Assembléia Constituinte
FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A LA PAZ
Polarizada entre os governos
do presidente Evo Morales e do
rico departamento de Santa
Cruz, a tensa campanha eleitoral boliviana envolveu casos de
uso da máquina pública de ambos os lados, como coerção de
funcionários públicos e uso irregular do canal estatal de TV.
Amanhã, os eleitores escolherão os 255 membros da nova
Assembléia Constituinte e votarão, num referendo, se os departamentos (Estados) devem
ter mais autonomia administrativa.
Uma circular interna obtida
pela Folha mostra que a Prefeitura (governo) de Santa
Cruz exigiu que todos os chefes
setoriais entregassem uma lista dos funcionários que participariam do comício de encerramento da campanha em favor
do "sim" no referendo, realizado na quarta-feira. A principal
liderança do movimento autonômico é o prefeito (governador) Rubén Costas.
"Reafirmando nosso compromisso com o "sim" às autonomias departamentais, temos
o prazer de convidá-los a ser
parte da multitudinária concentração que se realizará aos
pés do Cristo Redentor", diz a
circular.
"Com a segurança de que todos participaremos de tão importante acontecimento, solicitamos a todas as direções fazer chegar à Unidade de Recursos Humanos até terça impreterivelmente a lista de todo o
pessoal que participará", termina a circular, assinada pela
chefe da Unidade de Recursos
Humanos, Gabriela Ortiz Céspedes, e pelo diretor de Administração e Finanças, Jose Luis
Parada.
O evento reuniu uma impressionante multidão de dezenas de milhares de manifestantes, na maior concentração
da recém-terminada campanha eleitoral boliviana. A estimativa -exagerada- dos organizadores foi de 500 mil pessoas.
O envolvimento da máquina
do governo de Santa Cruz com
a campanha do "sim" foi feito
de forma explícita. Na sede do
governo, cartazes com o timbre
da prefeitura fazem campanha
aberta: "Agora, sim, todos juntos! Unidos pela autonomia",
diz um deles. A Folha viu ainda
ao menos dois carros oficiais
com adesivos de campanha.
Procurada pela reportagem,
assessoria de imprensa do governo de Santa Cruz disse que a
circular era apenas um "convite" para participar da concentração e que, por não ter sido
assinado por Costas, tem pouco peso. A assessoria não soube
informar se as listas foram entregues, como determinava a
circular, datada de 23 de junho,
cinco dias antes do comício.
A assessoria disse ainda que
os funcionários representariam apenas "0,001%" dos que
compareceram ao evento.
Sobre os cartazes e adesivos
da campanha do "sim" patrocinados pelo governo, a assessoria disse que a prática é permitida pelo "programa de socialização do processo de referendo
e da Constituinte", que permite o esclarecimento da população sobre temas eleitorais.
O artigo 122 da lei eleitoral
boliviana permite o uso de prédios e instituições públicas em
atividades, mas, até ontem à
tarde, a Corte Nacional Eleitoral (CNE) não havia recebido
denúncia formal contra o governo de Santa Cruz.
Para o analista político Fernando Mayorga, a pouca importância dada ao tema do uso
da máquina pública durante a
campanha se deve, em parte, ao
fato de que "faz parte da cultura política local que uma autoridade use recursos estatais para atividades proselitistas".
TV pública
A CNE solicitou formalmente anteontem ao governo Morales o afastamento do gerente
geral da TV estatal canal 7 (Televisão Boliviana), Jean Claude
Eiffel, por descumprir a determinação do órgão para veicular
gratuitamente propaganda de
candidatos da oposição, como
prevê o código eleitoral.
Segundo denúncia feita por
uma candidata da oposição, o
canal estatal cobrava dinheiro
para veicular sua propaganda.
O canal 7 tem sido alvo de duras críticas da oposição por privilegiar a veiculação de atos do
governo, de candidatos do partido de Morales, o MAS (Movimento ao Socialismo), e ignorar eventos da oposição, como o
comício de Santa Cruz.
Baseado na alta popularidade
de Morales, de cerca de 80%, o
MAS luta para eleger dois terços da Assembléia. No referendo, o presidente socialista tem
feito campanha em favor do
"não", na tentativa de frear a
oposição dos departamentos,
sobretudo Santa Cruz.
Até o fechamento desta edição, o governo não havia decidido se acataria o pedido de afastamento de Eiffel do canal 7
nem feito nenhum pronunciamento sobre o caso.
Sem cobertura do canal estatal, a campanha do "sim", por
outro lado, conta com o apoio
dos principais meios de comunicação privados de Santa
Cruz. Antes do evento, jornais,
canais de TV e emissoras de rádios convocaram a população
local para participar do evento.
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