São Paulo, sábado, 01 de julho de 2006

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Uso de máquina pública marca eleição na Bolívia

Há denúncias de coerção de servidores públicos e de uso irregular da TV estatal

Acusações, que envolvem os dois lados, citam campanha pelo "sim" ao referendo sobre autonomia e eleição da Assembléia Constituinte

FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A LA PAZ

Polarizada entre os governos do presidente Evo Morales e do rico departamento de Santa Cruz, a tensa campanha eleitoral boliviana envolveu casos de uso da máquina pública de ambos os lados, como coerção de funcionários públicos e uso irregular do canal estatal de TV. Amanhã, os eleitores escolherão os 255 membros da nova Assembléia Constituinte e votarão, num referendo, se os departamentos (Estados) devem ter mais autonomia administrativa.
Uma circular interna obtida pela Folha mostra que a Prefeitura (governo) de Santa Cruz exigiu que todos os chefes setoriais entregassem uma lista dos funcionários que participariam do comício de encerramento da campanha em favor do "sim" no referendo, realizado na quarta-feira. A principal liderança do movimento autonômico é o prefeito (governador) Rubén Costas.
"Reafirmando nosso compromisso com o "sim" às autonomias departamentais, temos o prazer de convidá-los a ser parte da multitudinária concentração que se realizará aos pés do Cristo Redentor", diz a circular.
"Com a segurança de que todos participaremos de tão importante acontecimento, solicitamos a todas as direções fazer chegar à Unidade de Recursos Humanos até terça impreterivelmente a lista de todo o pessoal que participará", termina a circular, assinada pela chefe da Unidade de Recursos Humanos, Gabriela Ortiz Céspedes, e pelo diretor de Administração e Finanças, Jose Luis Parada.
O evento reuniu uma impressionante multidão de dezenas de milhares de manifestantes, na maior concentração da recém-terminada campanha eleitoral boliviana. A estimativa -exagerada- dos organizadores foi de 500 mil pessoas.
O envolvimento da máquina do governo de Santa Cruz com a campanha do "sim" foi feito de forma explícita. Na sede do governo, cartazes com o timbre da prefeitura fazem campanha aberta: "Agora, sim, todos juntos! Unidos pela autonomia", diz um deles. A Folha viu ainda ao menos dois carros oficiais com adesivos de campanha.
Procurada pela reportagem, assessoria de imprensa do governo de Santa Cruz disse que a circular era apenas um "convite" para participar da concentração e que, por não ter sido assinado por Costas, tem pouco peso. A assessoria não soube informar se as listas foram entregues, como determinava a circular, datada de 23 de junho, cinco dias antes do comício.
A assessoria disse ainda que os funcionários representariam apenas "0,001%" dos que compareceram ao evento.
Sobre os cartazes e adesivos da campanha do "sim" patrocinados pelo governo, a assessoria disse que a prática é permitida pelo "programa de socialização do processo de referendo e da Constituinte", que permite o esclarecimento da população sobre temas eleitorais.
O artigo 122 da lei eleitoral boliviana permite o uso de prédios e instituições públicas em atividades, mas, até ontem à tarde, a Corte Nacional Eleitoral (CNE) não havia recebido denúncia formal contra o governo de Santa Cruz.
Para o analista político Fernando Mayorga, a pouca importância dada ao tema do uso da máquina pública durante a campanha se deve, em parte, ao fato de que "faz parte da cultura política local que uma autoridade use recursos estatais para atividades proselitistas".

TV pública
A CNE solicitou formalmente anteontem ao governo Morales o afastamento do gerente geral da TV estatal canal 7 (Televisão Boliviana), Jean Claude Eiffel, por descumprir a determinação do órgão para veicular gratuitamente propaganda de candidatos da oposição, como prevê o código eleitoral.
Segundo denúncia feita por uma candidata da oposição, o canal estatal cobrava dinheiro para veicular sua propaganda.
O canal 7 tem sido alvo de duras críticas da oposição por privilegiar a veiculação de atos do governo, de candidatos do partido de Morales, o MAS (Movimento ao Socialismo), e ignorar eventos da oposição, como o comício de Santa Cruz.
Baseado na alta popularidade de Morales, de cerca de 80%, o MAS luta para eleger dois terços da Assembléia. No referendo, o presidente socialista tem feito campanha em favor do "não", na tentativa de frear a oposição dos departamentos, sobretudo Santa Cruz.
Até o fechamento desta edição, o governo não havia decidido se acataria o pedido de afastamento de Eiffel do canal 7 nem feito nenhum pronunciamento sobre o caso.
Sem cobertura do canal estatal, a campanha do "sim", por outro lado, conta com o apoio dos principais meios de comunicação privados de Santa Cruz. Antes do evento, jornais, canais de TV e emissoras de rádios convocaram a população local para participar do evento.


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