São Paulo, domingo, 01 de agosto de 2004

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Bombardeio arruína vida de garoto

ESPECIAL PARA A FOLHA

Estava em Bagdá quando um homem que andava de mãos dadas com um menino me chamou a atenção. Quando me aproximei, vi que era mais uma vítima da invasão do Iraque, o que se confirmou quando comecei a questionar Ali, pai do pequeno Ayad.
Surpreso pela minha atitude e feliz por eu ser brasileiro, ele concordou em me receber em sua fazenda, em Hilla, para registrar o cotidiano do menino. Passei dois dias na casa de Ayad, que chorou quando eu fui embora.
Oficialmente, a Guerra do Iraque acabou. Mas, para Ayad Ali Karim, 12, nascido na Guerra do Golfo (1991) e gravemente ferido durante a invasão liderada pelos EUA em 2003 de seu país, a vida continua uma batalha. Ele é prisioneiro de uma horrorosa cicatriz mental e física, sofrida num bombardeio americano.
Nascido em Bagdá -enquanto seu pai, Ali Karim, 42, lutava na Guerra do Golfo como soldado da Guarda Republicana de Saddam-, Ayad viu-se no front 12 anos mais tarde, enquanto helicópteros americanos atacavam a lavoura onde ele brincava.
No mesmo ataque à fazenda de seus pais, seu tio Mohammad perdeu parte de sua perna direita, e sua avó, Telba, teve suas duas pernas atrofiadas pelos estilhaços das bombas enquanto tentava ajudar Ayad, já ferido.
Aquele dia, em abril de 2003, deixou Ayad cego do olho direito, queimado seriamente no rosto e com a vida completamente alterada. "Ele teve de sair da escola porque os outros amigos riam dele", disse seu pai.
"Ayad sabe falar, mas não consegue mais ler. Ele também parou de nos ajudar em nossa fazenda. Agora, ele passa todo o tempo brincando com a irmã e o primo ou dormindo até mais tarde. Mesmo com esse problema no rosto, às vezes, ele dorme fora de casa, sob o sol, após acordar. É muito difícil convencê-lo a rezarmos juntos", completa seu pai.
Profundas feridas psicológicas também arruinaram a vida de Ayad. Como relata a mãe, Nazahra Anaid, 53: "Recentemente, ele ficou nervoso comigo e tentou me matar primeiro com uma faca de cozinha e, depois, com o rifle AK-47 do meu marido, só porque eu queria fazê-lo acordar cedo".
(MAURÍCIO LIMA)


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