São Paulo, domingo, 01 de agosto de 2004

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"Apenas cumpro ordens", diz marine

ESPECIAL PARA A FOLHA

Cinco de junho, 14h30, 41C, sem vento. Após quatro horas e meia de espera e um pedaço de melancia, fui autorizado a entrar na base militar perto de Fallujah.
Éramos eu e um fotógrafo croata de outra agência dividindo uma das casas com mais marines. Dois sobressaíam. Um fuzileiro médico, que se alimentava só com produtos para aumentar a massa muscular e tomava várias cápsulas, dividia o quarto comigo. Veterano de batalhas, não hesitou em dizer: "Querem lutar com a gente? Vamos matar todos".
Ele era cristão. Quando eu o deixava usar a internet em meu computador (uma lata de atum por 15 minutos), ele copiava trechos da Bíblia para enviar à mulher. Ele dizia que queria sair do Iraque porque sentia muita falta dela. "Ela é uma mulher maravilhosa. Olha, Maurício, ela me enviou um perfume. Você quer ver?" Ele abriu a mochila e sacou uma calcinha vermelha.
Outro fuzileiro, um sargento de nível médio e franco-atirador, perguntou-me se eu tinha fotos de iraquianos mortos, enquanto fazia exercícios em uma barra colocada na porta do quarto.
Respondi que não tinha quase nada, somente de palestinos do conflito do qual eu acabara de chegar, na faixa de Gaza. "Palestinos não me interessam. Eu quero iraquianos", disse ele, sereno.
Mais tarde, outro atirador, fã do Sepultura, começou a mostrar as fotos dos iraquianos que havia matado. Além de dois vídeos de reféns decapitados, ele tinha três vídeos de mortes e batalhas.
Um dos registros era dele em ação. Em pouco menos de dois minutos, cinco disparos. Cinco iraquianos a menos. Perguntei: eram civis ou da insurgência? Ele disse que eram inimigos. "Ontem matei 30 com 34 tiros. É meu trabalho." Pergunto: você já matou civis? "Não, só mato quem estiver armado para tentar nos matar. Mas sempre acaba sobrando para um ou outro. Eu não faço perguntas, somente cumpro ordens."
Eu estava com fome e a última pergunta, para não perder o almoço, foi: o que seria mais difícil, Iraque ou Coréia do Norte? "Aqui é muito pior, morrem muito mais marines, soldados e jornalistas como você." (ML)


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