São Paulo, domingo, 01 de agosto de 2004

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Estilo Heinz desafia o ideal do eleitorado

JOYCE PURNICK
DO ""NEW YORK TIMES"

Durante o discurso de Teresa Heinz Kerry na Convenção Nacional Democrata, a câmera captou algumas expressões de desagrado no rosto de Hillary Rodham Clinton. A senadora também sorriu e aplaudiu, mas os sorrisos logo desapareceram, e ela ficou com expressão de quem estava quase passando mal.
Talvez Hillary estivesse cansada ou distraída. Ou, quem sabe, ao ouvir a mulher do senador John Kerry reivindicar sua independência, seu direito de falar o que pensa e de ter voz própria, seus pensamentos tenham voltado para a época em que ela própria aprendeu a etiqueta da mulher de político -do modo mais difícil.
Não que Hillary tenha sido a esposa típica de candidato presidencial. Imaginava ser co-presidente, optou por abrir mão de seu trabalho de advocacia para fazer parte da carreira do marido e tentou reformar o sistema de saúde praticamente por decreto.
Os objetivos de Heinz são igualmente intimidantes. Ela quer conservar sua identidade própria e sua imagem pública excêntrica e o direito de mandar um jornalista ""enfiar" quando indagada sobre sua referência ambígua a ""aspectos não-americanos" na política.
Mulher rica e altamente instruída que assumiu a direção de uma das maiores organizações filantrópicas do país após a morte do marido, em 1991, ela não tem paciência para fingir ser uma mulher dócil e obediente. Será que suas farpas e sua irreverência vão casar com um eleitorado que admira a modesta Laura Bush?
É pouco provável. Apenas Eleanor Roosevelt rompeu com esse modelo. Jackie Kennedy era admirada por seu estilo e elegância. Nancy Reagan, poderosa no âmbito interno, era famosa pelos olhares de adoração que dirigia ao marido na esfera externa.
"O papel da mulher é dar apoio ao marido", disse Barbara Bush quando o marido foi nomeado vice ao lado de Ronald Reagan, em 1980. "Não concordo com meu marido sobre tudo, mas não vou dizer isso a você. Vou dizer a George Bush. Dentro de casa."
"O ideal cultural das mulheres nos EUA não se modificou", disse Marie Wilson, diretora do Projeto Casa Branca. ""O ideal cultural é a mulher que é esposa e mãe, e de ninguém se pede que viva esse ideal mais em sua própria carne do que da primeira-dama. Por isso Hillary foi tão criticada."
Hoje Hillary Clinton é louvada em seu partido. Mas, para chegar a isso, precisou ser humilhada pelo marido infiel. Ganhou aceitação no papel da vítima que, em última instância, permaneceu do lado de seu homem.
É um jogo chamado política, e Heinz já indicou que, na realidade, não quer jogar o jogo. Mesmo na convenção democrata, ela passou apenas metade de seu discurso falando do marido, o candidato. O resto do tempo, falou do papel das mulheres, do ambiente, de outras questões políticas e do redator dos discursos.
Heinz tem seus fãs. Mas seu estilo não parece destinado à aceitação ampla, e não há nenhum indício de que ela pretenda mudá-lo. ""Seria como tentar enfiar o gênio de volta na lâmpada", disse Sheila Gibbons, editora do "Media Report to Women". "É uma mulher de 65 anos, inteiramente madura, com intelecto desenvolvido e um senso muito claro de sua própria pessoa."
Gibbons prevê que, um dia, o público vai aceitar uma primeira-dama plenamente independente. Enquanto isso, o que pode acontecer? A impressão é que a disputa presidencial será muito apertada, de modo que, em tese, qualquer coisa poderia fazer diferença. Mas Teresa Heinz Kerry não é candidata. Seu nome não estará nas cédulas de voto nem o de Laura Bush. Vale imaginar se o público vai dar-se conta disso.


Tradução de Clara Allain


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