São Paulo, domingo, 01 de agosto de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Falta coragem para pôr fim à guerra"

Veterano diz que documentos vazados sobre Afeganistão apenas confirmam fracasso da empreitada dos EUA

Para Bacevich, dados no WikiLeaks não trazem revelações comparáveis às feitas nos Papéis do Pentágono, nos anos 60

Yuri Cortez - 30.jul.2010/France Presse
Manifestantes protestam em Cabul depois de acidente envolvendo um carro da embaixada dos EUA e um veículo de civis

CLAUDIA ANTUNES
DO RIO

Os documentos secretos sobre o Afeganistão divulgados recentemente pelo site WikiLeaks trazem pouca novidade e apenas confirmam o fracasso de uma empreitada militar que o presidente Barack Obama não tem a coragem política de encerrar.
É o que afirma Andrew Bacevich, militar reformado do Exército dos EUA, veterano do Vietnã e professor de relações internacionais da Universidade de Boston.
Segundo ele, os documentos não têm importância comparável à dos Papéis do Pentágono, que, nos anos 70, revelaram que o governo de Lyndon Johnson (1963-1969) escondera do público e do Congresso ações militares no sudeste asiático.
Bacevich, que perdeu um filho militar no Iraque, lançou na semana passada o livro "Washington Rules: America's Path to Permanent War" (Washington comanda: o caminho da América para a guerra permanente), em que analisa por que a guerra virou a "norma" para os EUA, mesmo que não haja ameaças claras nem definição precisa da vitória.

 

Folha - Os documentos no WikiLeaks sobre a guerra no Afeganistão e os Papéis do Pentágono têm importância comparável?
Andrew Bacevich -
Não há comparação. Os Papéis do Pentágono foram resultado de um esforço para responder uma pergunta: como os EUA se afundaram em tamanho atoleiro no Vietnã? Os documentos do WikiLeaks não proporcionam resposta comparável. Eles só afirmam que a Guerra do Afeganistão é uma bagunça, o que já sabíamos.
Há muito pouca informação nova. O fato de o Taleban ter usado alguns mísseis antiaéreos de curto alcance para derrubar aviões americanos é a única revelação. E, uma vez que o Taleban obviamente sabia que essas armas existem, seu significado é pequeno.

Os documentos podem colocar vidas em risco, como diz o governo?
A acusação é um grande exagero. O significado real do vazamento é que ele embaraça o governo Obama.

Obama endossou a estratégia de contrainsurgência quando decidiu mandar mais tropas ao Afeganistão, em 2009, e indiretamente aceitou uma guerra prolongada. Há tempo de ele reverter esse curso?
Operacionalmente, há muito tempo -ele só precisa dar a ordem. Politicamente, porém, não é o caso. Ele fez da guerra a "Guerra de Obama" e não pode se arriscar a perdê-la se pretende ser reeleito em 2012.

Como interpreta o fato de mais democratas do que republicanos terem votado no Congresso americano, na semana passada, contra o financiamento de novas operações no Afeganistão?
Os congressistas democratas e os progressistas em geral estão cada vez mais insatisfeitos com a perpetuação dessa guerra.
As pessoas que votaram em Obama em 2008 o fizeram porque ele prometeu mudanças fundamentais. A expansão da guerra no Afeganistão não é o que tinham em mente.
Então, do mesmo modo que o presidente não pode perder a guerra, ele também não pode concorrer à reeleição sob impasse militar -isso define o seu dilema.
Politicamente, ele precisa de uma vitória clara no Afeganistão, o que parece bastante improvável.

O sr. concordaria com a análise de que Obama parece ter medo de parecer fraco em questões de segurança nacional dos EUA?
O problema não é fraqueza. É a falta de coragem e imaginação.

Se a vitória clara é improvável, qual seria o melhor cenário para encerrar o envolvimento militar americano?
Há alguns problemas para os quais a guerra oferece solução. Esse não é um deles. Os Estados Unidos deveriam retirar suas forças.

E quanto ao argumento de que a retirada daria liberdade à Al Qaeda no Afeganistão?
O argumento de que há apenas duas opções -guerra ou não fazer nada- é absurdo. Há outras maneiras de influenciar os acontecimentos.

Pode dar um exemplo?
Comprar [os inimigos].

O sr. é crítico da prevalência da doutrina da contrainsurreição. Vê alguma reação entre os militares à "guerra permanente" que ela motiva?
Não, apesar de eu achar que há alguns membros do corpo de oficiais que entendem a loucura que é a guerra sem fim.


Texto Anterior: Reino Unido reabre discussão sobre teoria do "criminoso nato"
Próximo Texto: Oposição acusa governo Obama de conspirar a favor de ilegais
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.