São Paulo, segunda, 1 de setembro de 1997.



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Lady Di deixou o anonimato para viver conto de fadas atormentado

Reuter
Diana deixa aparecer a calcinha ao entrar em um carro em junho de 97


France Presse
Charles e Diana em visita oficial à Coréia, em novembro de 92


Reuter
Diana com a mulher de Sting, Trudy Styler, em missa para Versace, em julho


JOÃO BATISTA NATALI
da Reportagem Local

Lady Diana Frances Spencer (1961-1997) foi ao mesmo tempo a adolescente tímida, a princesa disciplinada e a mulher independente. As três acabaram morrendo no mesmo acidente de automóvel.
Ela conseguiu agregar -ou foi agregada por elas- sucessivas simbologias ao personagem que encarnou. Foi a noiva virginal, a mãe do herdeiro do trono britânico e a patrona de pequenas causas filantrópicas, que se tornou protetora de crianças aidéticas.
Em suma, uma "rainha dos corações", conforme objetivo futuro que atribuiu a si mesma. Em definitivo, superou a imagem da mulher amargurada pela infidelidade do marido, com cinco tentativas de suicídio nos momentos de maior depressão. Mas também deu o troco: há quatro nomes na lista de seus supostos ou quase comprovados amantes.
Protagonista do "casamento do século" (1981) e do "divórcio do século" (1996), morreu naquilo que alguns provavelmente irão chamar de o desastre automobilístico do século 20.
Essa soma de superlativos levianos é o sintoma de algo mais complicado. A mulher nascida em julho de 1961 e morta na madrugada de ontem era ao mesmo tempo ela própria e outros significados que lhe foram acrescentados.
Deixou o anonimato para simbolizar a monarquia britânica. O salto foi rápido e imenso. Misturava-se, antes disso, a outras moças de famílias aristocráticas que, como ela, trabalhavam como voluntárias em berçários beneficentes.
A monarquia não é mais, no Reino Unido, fonte política de poder. As dinastias foram perdendo pelo caminho a capacidade de impor leis à massa de concidadãos.
O fim do poder político foi compensado pelo ganho do poder simbólico. E este é alimentado por mitos e imagens. Diana Spencer poderia surgir como lady Di. A mídia reproduz e realimenta o processo.
Já se discorreu em abundância sobre o fato de uma história só adquirir significado se situada num eixo de remissivas que a liga a outras histórias anteriores.
Diana foi em primeiro lugar a noiva de um "conto de fadas", que acrescentava aos rituais um novo tempero aristocrático. O fato de ser infeliz no casamento também a colocava como personagem de um enredo que não era exclusivamente seu. Novo tempero, dessa vez comum aos valores pasteurizados da classe média.
Na mesma linha de repetição de enredos anteriores, mas com nomes próprios inéditos, está o caso extraconjugal de seu marido com Camilla Parker Bowles.
"Havia três pessoas naquele casamento; era gente de mais", diria na única entrevista em que mencionou a existência da antiga amante do príncipe de Gales.
O troco viria com a revelação de que ela também exercera seu "direito ao adultério". Três nomes foram avançados como seus prováveis namorados: James Gilbey, James Hewitt e Will Carling, predecessores do milionário em companhia do qual morreu em Paris.
O adultério não era mais, depois do nascimento dos príncipes William e Henry, um fato que poderia adquirir a importância de Estado.
O Império Otomano (1290-1922) foi o que mais levou a sério o perigo do nascimento de bastardos que deslegitimassem a linha sucessória do califa. O harém foi justamente o instrumento político para assegurar ao monarca o monopólio da reprodução biológica.
O fato é que, consumados a separação e o divórcio, Diana, segundo o jornal "The Independent", tentou conduzir a mudança da própria imagem. Afastou-se de cerca de cem entidades filantrópicas de que participava como membro da família Windsor.
Em lugar delas, escolheu outras causas que passaria a prestigiar. As crianças vitimadas pela Aids estavam em primeiro lugar. Sua popularidade voltava a crescer fora da estufa da família real. Engajou-se, em seguida, pela desativação de minas terrestres.
Os dois temas são objeto de unanimidade pública, mas não oficial. A desativação das minas poderia atropelar negociações diplomáticas do Foreign Office. John Major, então primeiro-ministro, acusou-a publicamente, por um conjunto de fatores, de "procurar manipular a imprensa".
A suposta "manipulação" ocorreria igualmente de outras formas. Depois de sua entrevista à BBC, em que admitira ter traído o marido (novembro de 1995), passou a frequentar ostensivamente pessoas apontadas por seu mais polêmico biógrafo, Andrew Morton, como amigos de um de seus amantes.
A partir de agora, Diana Spencer rompia não apenas com a imagem anterior, a da princesa do conto de fadas, mas afastava-se de forma radical da adolescente apresentada aos ingleses como a possível futura nora da rainha Elizabeth 2ª.
Sua imagem mutante também sintetizou, num só rosto, um dos mais importantes ícones desse final de século. Milhões de bebês receberam nos últimos 16 anos o seu nome. Seu penteado foi imitado nos salões burgueses e nas periferias. Um personagem da moda.
Um dos princípios próprios à autoridade e à soberania de um monarca está na inviolabilidade de seu corpo. O acidente que dilacerou e matou lady Diana Frances Spencer -ex-mulher de um sucessor do trono e mãe de um provável futuro rei- é forte em termos simbólicos.



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