São Paulo, quinta-feira, 01 de setembro de 2011

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Líbia tem que seguir modelo 'inclusivo' para a redemocratização

LUCIANA COELHO
DE WASHINGTON

Além de freio à violência, a situação na Líbia pede uma nova resolução do Conselho de Segurança da ONU já, defende Daniel Serwer, especialista em construção de nações no Middle East Institute e autor do memorando do Council on Foreign Relations sobre Líbia pós-Gaddafi.
Entre outras coisas, disse Serwer, é preciso que o CS libere fundos para a reconstrução e regule a atuação internacional, responsável direta pela mudança do regime.
Na entrevista, Serwer -que foi adido científico da Embaixada dos EUA no Brasil na transição democrática (de 1981 a 1984)- defende que Brasília reconheça o Conselho Nacional de Transição como governo líbio.

Folha - Qual o maior risco na Líbia neste momento?
Daniel Serwer -
A continuidade da violência. É importante achar [Muammar] Gaddafi e conter a resistência [ao avanço rebelde].

Há comparações com Iraque.
É bem diferente. Na Líbia não há presença militar estrangeira maciça [no Iraque, só os EUA tiveram 170 mil soldados], divisões sectárias nem Estado propriamente -não há muito mais que o Ministério do Petróleo, pois Gaddafi não permitia que as estruturas crescessem, temendo que o desafiassem.

Qual a melhor forma de lidar com Gaddafi e os filhos?
Como os líbios escolherem. Acho difícil julgá-lo na Líbia, onde não há instituições e há dificuldade política. A maioria dos países que enfrentou esse problema concluiu que é melhor enviar o sujeito para [o Tribunal Penal Internacional em] Haia.

O sr. ainda vê risco de guerra civil, como escreveu?
Sim. Muito se reclama que o CNT é uma mistureba, mas é assim que deve ser -abrigar a todos, islamitas, secularistas, orientais, ocidentais, jovens, velhos, simpatizantes e oponentes de Gaddafi. O que precisam agora é redigir a Constituição. Para fazê-lo de forma efetiva, devem incluir o maior espectro possível.

Com a violência recente, há espaço para isso?
Houve violência em pequena escala, se comparada a outros casos. As intenções manifestadas pelo CNT são de uma transição inclusiva. Vivi a democratização no Brasil, e os brasileiros decidiram por um processo inclusivo, e foi a coisa certa a fazer. Muitos defenderão a retaliação, mas o que vale é como a Líbia estará em dez anos.

Como o sr. vê o descongelamento dos fundos da família Gaddafi para o CNT?
A resolução da ONU é uma boa ideia. Mas os líbios precisam criar um sistema transparente, com prestação de contas, e em troca deveríamos ter outra resolução do Conselho de Segurança com metas gerais -como a garantia de que os recursos do petróleo e do gás serão divididos com todos os líbios.

E a posição brasileira de não apoiar o governo de transição neste estágio?
O Brasil teve uma transição e, portanto, sabe instalar uma democracia. O reconhecimento é importante, e eu gostaria de ver o Brasil em uma nova resolução.

O que cabe aos países ocidentais agora?
Dialogar com os líbios sobre suas necessidades. Será uma operação de reconstrução liderada pelos líbios.

Esses países estão abertos a uma operação de reconstrução de Estado?
Não. Nem em termos organizacionais nem financeiros. Não planejaram como deveriam, e aconteceu mais rápido do que previam. E, francamente, acho que não quererão pagar os custos. Mas não serão precisos grandes gastos, os líbios têm fundos.

A Otan [aliança militar ocidental] extrapolou seu mandato?
Não. Mas ele foi atropelado pelos acontecimentos.


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