São Paulo, domingo, 01 de outubro de 2006

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Bulgária vive apreensão com entrada na UE

Chegada do euro mergulha Sófia em misto de expectativa por benesses e medo de custo de vida maior

NATASHA MADOV
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE SÓFIA

Sófia, início de setembro. Não há como negar: a expectativa é grande. Tanto que os sinais são percebidos já no aeroporto da capital búlgara, onde parte dos guichês de imigração ostenta o círculo de estrelas no fundo azul e as letras "EU" indicando os destinados aos cidadãos da União Européia. Por enquanto, é só decoração: o mesmo guichê, ironicamente sinalizado "NON-EU", atende a todos. Bem-vindo à Bulgária.
Para os padrões da Europa ocidental, é um país muito barato. Uma corrida de táxi que cruze a cidade não supera 7 levs (ou 3,5, R$10). Uma refeição em restaurante de alto padrão, com bebida alcoólica, fica por 12 levs, ou 6, por pessoa.
Isso se traduz em grupos de turistas por todo o centro de Sófia, andando pelas ruas pavimentadas de tijolos amarelos que lembram histórias infantis. Americanos, britânicos, alemães, franceses, todos de câmera e mapa na mão tentando decifrar as placas em cirílico. Pedir informação pode ser tarefa ingrata: são poucos os búlgaros com domínio rudimentar do inglês. Nas ruas, cenas familiares ao Brasil: crianças ciganas, com roupas rasgadas, tentam lavar pára-brisas nos cruzamentos em troca de moedas.
Gesticulando muito, alguns búlgaros contam suas expectativas para a entrada na União Européia, marcada na última semana para o ano que vem. Um taxista manifesta apreensão com a máfia e a corrupção. "Como vão dar jeito nisso?" E mostra na prática: alguns levs fazem o guarda que o havia parado por excesso de velocidade "esquecer" a multa e se despedir com um aperto de mão.
Passando por uma área rural, menos da metade dos terrenos são cultivados. A explicação do taxista, que conhece bem a região, é a falta de lucro. Sem subsídio, cultivar a terra não compensa. Os agricultores se mudaram para a capital em busca de melhores empregos, e a terra ficou abandonada.

Dois pesos
A cidade é barata aos turistas, mas cara para os búlgaros. Uma servidora pública aposentada conta que recebe 80 levs mensais de pensão. Para aumentar sua renda, aluga os dois quartos de seu apartamento na Evlogi Gueorguiev, uma das melhores ruas de Sófia. Ela ainda não sabe o que vai acontecer com a conversão oficial ao euro.
Na Technopolis, uma megastore de eletrônicos impensável sob a Cortina de Ferro, uma vendedora conta que desistiu de um empréstimo após se dar conta de que receberia em levs, mas pagaria juros em euros.
No centro, uma vendedora de uma loja de souvenires diz que é formada em ciência da computação, mas a falta de colocação na sua área a levou a esse emprego, no qual ganha 10 levs por dia. "Minha filha fez 18 anos e quer um carro, mas como vou comprar um carro ganhando 10 levs por dia?" Um carro com mais de dez anos de uso custa em média 6 mil levs.
A loja fica ao lado do Tsum, antiga loja de departamentos transformada em shopping. O comércio de luxo vai de vento em popa; além das lojas caras na rua Vitosha, espécie de Oscar Freire local, foi inaugurado há quatro meses o Mall of Sofia, com 130 lojas, restaurantes e um multiplex com uma sala Imax, para filmes em 3D.
Há construções por toda a parte, bem como anúncios de propriedades na capital e no balneário de Varna, no mar Negro. Em uma filial da rede de cafés Happy, há nas mesas um pequeno display de uma consultoria imobiliária britânica "pronta para ajudá-lo a fazer o melhor investimento" . O contraste com o estado de abandono dos prédios residenciais da Evlogi Gueorguiev, alguns centenários, é marcante.
Os "europeus", e seu dinheiro, estão chegando. Pronta ou não, a Bulgária estará lá para recebê-los.


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