São Paulo, segunda-feira, 01 de novembro de 2004

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Guerra ao terror revela limites do império, diz Fiori

CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO

Os EUA não são uma superpotência decadente mas tampouco um império global sem rivais à vista, como chegou a ser percebido na virada do século 21, antes da invasão do Iraque. Essa é uma das conclusões do livro "O Poder Americano", reunião de dez artigos de especialistas em economia política internacional da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e da Unicamp.
Organizador e autor de dois artigos do livro, a ser lançado amanhã pela editora Vozes, o cientista político José Luís Fiori, do Instituto de Economia da UFRJ, defende que a "guerra permanente" criada pelos EUA ao elegerem o terrorismo como seu "adversário necessário" abre caminho para que países que têm força militar ou econômica reproduzam a mesma estratégia e avancem em seus respectivos espaços geopolíticos.
A médio prazo, arrisca Fiori, isso deve acelerar o retorno do conflito entre as grandes potências: "A Rússia voltará ao seu papel tradicional, e a China tentará sua hegemonia dentro da Ásia. A Alemanha e o Japão tenderão a se tornar autônomos dos EUA. O limite do poder americano está na resistência das demais potências, que estão reorganizando as suas zonas de influência à sombra de um hiperpoder que seguirá desestabilizando o sistema mundial, independentemente do resultado das eleições."

Gansos e patos
Apesar de o lançamento coincidir com a eleição nos EUA, "O Poder Americano" reúne análises mais históricas do que conjunturais. A pesquisa dos autores, entre eles Maria da Conceição Tavares, Luiz Gonzaga Belluzzo e Carlos Aguiar de Medeiros, já rendeu outros títulos, como "Poder e Dinheiro" (1997). Eles têm em comum a premissa de que a chamada globalização do capitalismo não é obra do "capital em geral", como crêem liberais e alguns marxistas, mas da aliança entre o capital e Estados em busca de supremacia.
Essa lógica fica clara, por exemplo, no texto em que Medeiros afirma que a ofensiva do início dos anos 80 pela liberalização financeira, que reforçou o dólar como padrão monetário internacional, foi parte de uma estratégia americana "de enquadramento dos aliados e das moedas rivais" -uma estratégia adotada, segundo ele, como reação "ao extraordinário sucesso industrial e exportador da Alemanha e do Japão e da contestação do dólar enquanto moeda internacional", nos anos 70.
"O Poder Americano" analisa do desenvolvimento tecnológico americano (Medeiros) ao papel do petróleo na geopolítica dos EUA (Ernani Teixeira Torres Filho). Gabriel Palma discute a diferença entre a liderança econômica do Japão no Sudeste Asiático, que produziu "gansos voadores", e a dos EUA na América Latina, com seus "patos vulneráveis".
Os artigos de Fiori têm tom mais político. Ele recorre aos estudos do francês Fernand Braudel (1902-1985) e dos alemães Max Weber (1864-1920) e Norbert Elias (1897-1990) sobre a origem do sistema estatal e do capitalismo para argumentar que a consolidação de um império global sem competidores é uma impossibilidade teórica, uma vez que o sistema se alimenta da competição e da guerra.
"O adversário é necessário para que se acumule poder e riqueza. Historicamente, os Estados-imperiais ou grandes potências sempre recriaram seus adversários logo depois de submeter ou destruir o concorrente anterior. Como na concorrência capitalista, o monopólio leva à entropia", afirma o cientista político. Para ele, o terrorismo é um adversário "provisório" por seu "caráter universal e ubíquo".

Poder, dinheiro e armas
Fiori nega validade à tese do italiano Antonio Negri sobre o caráter supranacional do "Império": "O poder global ainda responde pelo nome de um Estado nacional chamado Estados Unidos". Também contesta as previsões do italiano Giovanni Arrighi e do americano Immanuel Wallerstein sobre uma crise prolongada e terminal da hegemonia americana ou do próprio sistema mundial nascido com o capitalismo.
"A crise dos anos 70, a expansão financeira posterior e o fim da Guerra Fria transferiram para os EUA uma centralidade militar, monetária e financeira sem precedentes. Não há nada no cenário mundial que sustente a idéia de que ocorreu uma bifurcação entre o poder militar e o poder financeiro global nos últimos 20 anos do século 20", diz o cientista político sobre o argumento de que os EUA teriam ficado mais frágeis ao se endividaram excessivamente, com a maior parte de seus títulos públicos hoje nas mãos de países asiáticos.
Além disso, numa análise que faz referência aos principais teóricos da economia e das relações internacionais, Fiori discute ainda a tese da "estabilidade hegemônica", segundo a qual um Estado com poder global seria capaz de assegurar a ordem internacional. Para Fiori, uma hegemonia "benevolente", em que existe uma relação complementar dentro da hierarquia das potências capitalistas, é sempre transitória.
"Isso ocorre por períodos muito curtos, como nos anos 50 e 60 do século 20. Mas a situação nunca se estabiliza porque a hegemonia não interrompe o processo expansivo e competitivo do poder vencedor", argumenta.


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