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Guerra ao terror revela limites do império, diz Fiori
CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO
Os EUA não são uma superpotência decadente mas tampouco
um império global sem rivais à
vista, como chegou a ser percebido na virada do século 21, antes da
invasão do Iraque. Essa é uma das
conclusões do livro "O Poder
Americano", reunião de dez artigos de especialistas em economia
política internacional da UFRJ
(Universidade Federal do Rio de
Janeiro) e da Unicamp.
Organizador e autor de dois artigos do livro, a ser lançado amanhã pela editora Vozes, o cientista
político José Luís Fiori, do Instituto de Economia da UFRJ, defende
que a "guerra permanente" criada
pelos EUA ao elegerem o terrorismo como seu "adversário necessário" abre caminho para que países que têm força militar ou econômica reproduzam a mesma estratégia e avancem em seus respectivos espaços geopolíticos.
A médio prazo, arrisca Fiori, isso deve acelerar o retorno do conflito entre as grandes potências:
"A Rússia voltará ao seu papel tradicional, e a China tentará sua hegemonia dentro da Ásia. A Alemanha e o Japão tenderão a se
tornar autônomos dos EUA. O limite do poder americano está na
resistência das demais potências,
que estão reorganizando as suas
zonas de influência à sombra de
um hiperpoder que seguirá desestabilizando o sistema mundial, independentemente do resultado
das eleições."
Gansos e patos
Apesar de o lançamento coincidir com a eleição nos EUA, "O Poder Americano" reúne análises
mais históricas do que conjunturais. A pesquisa dos autores, entre
eles Maria da Conceição Tavares,
Luiz Gonzaga Belluzzo e Carlos
Aguiar de Medeiros, já rendeu
outros títulos, como "Poder e Dinheiro" (1997). Eles têm em comum a premissa de que a chamada globalização do capitalismo
não é obra do "capital em geral",
como crêem liberais e alguns
marxistas, mas da aliança entre o
capital e Estados em busca de supremacia.
Essa lógica fica clara, por exemplo, no texto em que Medeiros
afirma que a ofensiva do início
dos anos 80 pela liberalização financeira, que reforçou o dólar como padrão monetário internacional, foi parte de uma estratégia
americana "de enquadramento
dos aliados e das moedas rivais"
-uma estratégia adotada, segundo ele, como reação "ao extraordinário sucesso industrial e exportador da Alemanha e do Japão
e da contestação do dólar enquanto moeda internacional",
nos anos 70.
"O Poder Americano" analisa
do desenvolvimento tecnológico
americano (Medeiros) ao papel
do petróleo na geopolítica dos
EUA (Ernani Teixeira Torres Filho). Gabriel Palma discute a diferença entre a liderança econômica do Japão no Sudeste Asiático,
que produziu "gansos voadores",
e a dos EUA na América Latina,
com seus "patos vulneráveis".
Os artigos de Fiori têm tom
mais político. Ele recorre aos estudos do francês Fernand Braudel
(1902-1985) e dos alemães Max
Weber (1864-1920) e Norbert
Elias (1897-1990) sobre a origem
do sistema estatal e do capitalismo para argumentar que a consolidação de um império global sem
competidores é uma impossibilidade teórica, uma vez que o sistema se alimenta da competição e
da guerra.
"O adversário é necessário para
que se acumule poder e riqueza.
Historicamente, os Estados-imperiais ou grandes potências sempre recriaram seus adversários logo depois de submeter ou destruir
o concorrente anterior. Como na
concorrência capitalista, o monopólio leva à entropia", afirma o
cientista político. Para ele, o terrorismo é um adversário "provisório" por seu "caráter universal e
ubíquo".
Poder, dinheiro e armas
Fiori nega validade à tese do italiano Antonio Negri sobre o caráter supranacional do "Império":
"O poder global ainda responde
pelo nome de um Estado nacional
chamado Estados Unidos". Também contesta as previsões do italiano Giovanni Arrighi e do americano Immanuel Wallerstein sobre uma crise prolongada e terminal da hegemonia americana ou
do próprio sistema mundial nascido com o capitalismo.
"A crise dos anos 70, a expansão
financeira posterior e o fim da
Guerra Fria transferiram para os
EUA uma centralidade militar,
monetária e financeira sem precedentes. Não há nada no cenário
mundial que sustente a idéia de
que ocorreu uma bifurcação entre
o poder militar e o poder financeiro global nos últimos 20 anos do
século 20", diz o cientista político
sobre o argumento de que os EUA
teriam ficado mais frágeis ao se
endividaram excessivamente,
com a maior parte de seus títulos
públicos hoje nas mãos de países
asiáticos.
Além disso, numa análise que
faz referência aos principais teóricos da economia e das relações internacionais, Fiori discute ainda a
tese da "estabilidade hegemônica", segundo a qual um Estado
com poder global seria capaz de
assegurar a ordem internacional.
Para Fiori, uma hegemonia "benevolente", em que existe uma relação complementar dentro da
hierarquia das potências capitalistas, é sempre transitória.
"Isso ocorre por períodos muito
curtos, como nos anos 50 e 60 do
século 20. Mas a situação nunca se
estabiliza porque a hegemonia
não interrompe o processo expansivo e competitivo do poder
vencedor", argumenta.
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