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LUIS BITENCOURT
Prendendo o fôlego
Amanhã, o mundo prenderá o
fôlego para concentrar-se no capítulo final da novela das eleições
presidenciais americanas.
Os americanos votarão conscientes de estarem asperamente
divididos e, pelo menos os interessados na qualidade das instituições, profundamente apreensivos. Apreensivos com relação ao
resultado, após uma disputa particularmente acirrada. Estarão
preocupados com a integridade
do processo eleitoral. Mas estarão
preocupados, sobretudo, com as
implicações futuras, inclusive para a liderança americana no mundo, de uma campanha que revelou com crueza alguns dos piores
traços de personalidade de seus líderes, em especial, o seu pendor
para torcer a verdade. Tudo em
nome da disputa apertada.
Na história das eleições presidenciais americanas, já houve outras disputas apertadas. A eleição
de 1876 foi decidida por uma comissão especial do Congresso e
quase levou à reabertura da guerra civil. John Kennedy elegeu-se
derrotando Richard Nixon por
diferença de meros 118 mil votos,
diante de uma participação de 64
milhões de eleitores. E, é claro, todos nos lembramos da apertada e
embaraçosa vitória de George W.
Bush nas eleições de 2000.
Após problemas técnicos tornados óbvios em 2000, o Congresso
americano aprovou a lei Ajude o
Voto da América (Hava) e destinou US$ 4 bilhões para aperfeiçoar e corrigir os problemas observados. Mas, a despeito da
aprovação da legislação e do dinheiro, o governo Bush foi extremamente lento em nomear uma
Comissão de Assistência Eleitoral
para avançar com as medidas.
Embora Estados tenham aprovado e adquirido novas máquinas
de votar, a referida comissão jamais definiu regras e procedimentos capazes de uniformizar o
seu uso. A Hava acabou por manter muitas das ambigüidades do
registro eleitoral. Receia-se que
uma enxurrada de ações venham
a empurrar, outra vez, a decisão
para a Suprema Corte.
Tudo isso é penoso para um
país amedrontado pelo terrorismo, desgastado pelas más notícias vindas a todo momento do
Iraque, e ansioso para acreditar
na qualidade de suas lideranças.
Esse é o ponto que mais preocupa muitos americanos intranqüilos. Essa campanha revelou o cinismo e a facilidade com que declarações foram distorcidas e verdades foram fabricadas para atender a interesses eleitorais. Por
exemplo, em um momento,
Kerry manifestou o desejo de que
o terrorismo volte a ser nada mais
que um ligeiro aborrecimento para o povo americano. A seguir,
Bush e vários dos seus seguidores
trombeteavam que os americanos
não podem ter um líder que considere o terrorismo só um ligeiro
aborrecimento. Convenhamos,
isso é fazer pouco da inteligência
de qualquer um. Mas a linha continua sendo repetida.
Esses americanos intranqüilos
sabem que o mundo acompanha
essas eleições com muito interesse e que a liderança global americana, baseada no compartilhamento, e não na imposição de valores, está em questão.
Vamos todos prender o fôlego,
portanto.
Luis Bitencourt é cientista político. Dirige o programa sobre o Brasil do Centro
Woodrow Wilson para Acadêmicos Internacionais, em Washington.
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