São Paulo, segunda-feira, 01 de novembro de 2004

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LUIS BITENCOURT

Prendendo o fôlego

Amanhã, o mundo prenderá o fôlego para concentrar-se no capítulo final da novela das eleições presidenciais americanas.
Os americanos votarão conscientes de estarem asperamente divididos e, pelo menos os interessados na qualidade das instituições, profundamente apreensivos. Apreensivos com relação ao resultado, após uma disputa particularmente acirrada. Estarão preocupados com a integridade do processo eleitoral. Mas estarão preocupados, sobretudo, com as implicações futuras, inclusive para a liderança americana no mundo, de uma campanha que revelou com crueza alguns dos piores traços de personalidade de seus líderes, em especial, o seu pendor para torcer a verdade. Tudo em nome da disputa apertada.
Na história das eleições presidenciais americanas, já houve outras disputas apertadas. A eleição de 1876 foi decidida por uma comissão especial do Congresso e quase levou à reabertura da guerra civil. John Kennedy elegeu-se derrotando Richard Nixon por diferença de meros 118 mil votos, diante de uma participação de 64 milhões de eleitores. E, é claro, todos nos lembramos da apertada e embaraçosa vitória de George W. Bush nas eleições de 2000.
Após problemas técnicos tornados óbvios em 2000, o Congresso americano aprovou a lei Ajude o Voto da América (Hava) e destinou US$ 4 bilhões para aperfeiçoar e corrigir os problemas observados. Mas, a despeito da aprovação da legislação e do dinheiro, o governo Bush foi extremamente lento em nomear uma Comissão de Assistência Eleitoral para avançar com as medidas.
Embora Estados tenham aprovado e adquirido novas máquinas de votar, a referida comissão jamais definiu regras e procedimentos capazes de uniformizar o seu uso. A Hava acabou por manter muitas das ambigüidades do registro eleitoral. Receia-se que uma enxurrada de ações venham a empurrar, outra vez, a decisão para a Suprema Corte.
Tudo isso é penoso para um país amedrontado pelo terrorismo, desgastado pelas más notícias vindas a todo momento do Iraque, e ansioso para acreditar na qualidade de suas lideranças.
Esse é o ponto que mais preocupa muitos americanos intranqüilos. Essa campanha revelou o cinismo e a facilidade com que declarações foram distorcidas e verdades foram fabricadas para atender a interesses eleitorais. Por exemplo, em um momento, Kerry manifestou o desejo de que o terrorismo volte a ser nada mais que um ligeiro aborrecimento para o povo americano. A seguir, Bush e vários dos seus seguidores trombeteavam que os americanos não podem ter um líder que considere o terrorismo só um ligeiro aborrecimento. Convenhamos, isso é fazer pouco da inteligência de qualquer um. Mas a linha continua sendo repetida.
Esses americanos intranqüilos sabem que o mundo acompanha essas eleições com muito interesse e que a liderança global americana, baseada no compartilhamento, e não na imposição de valores, está em questão.
Vamos todos prender o fôlego, portanto.


Luis Bitencourt é cientista político. Dirige o programa sobre o Brasil do Centro Woodrow Wilson para Acadêmicos Internacionais, em Washington.


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