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Venezuela enfrenta crise no abastecimento de água
Para críticos, problema evidencia falta de investimentos e má administração
Caracas passará por cortes no fornecimento de até 48 horas; Chávez relaciona escassez com o clima e o crescimento econômico
BENEDICT MANDER
DO "FINANCIAL TIMES"
Agachada para encher um
balde com água de uma fonte
natural que flui do alto de uma
colina ao lado de uma rua esburacada na periferia de Caracas,
Yenny Gonzalez reconhece que
essa pode não ser a fonte de
água mais conveniente -mas,
pelo menos, é confiável.
É mais do que se pode dizer
sobre o sistema público de
abastecimento de água da cidade. Os moradores da capital venezuelana se preparam para
um racionamento drástico, enquanto os serviços públicos no
país rico em petróleo afundam
em crise crescente, ameaçando
prejudicar a base de apoio do
presidente Hugo Chávez.
A partir de amanhã -e possivelmente até maio ou junho de
2010-, Caracas ficará sem água
por até 48 horas por semana.
Nesta semana também começa o racionamento de energia, que visa reduzir o consumo
nacional em 20%.
Yenny se diz indiferente ao
racionamento de água: há mais
de um mês ela não recebe água
encanada no barraco em que vive em uma favela de Caracas.
"Mas estou preocupada com
os blecautes", diz ela. "Nunca
antes foi assim."
O líder populista venezuelano afirma que a escassez de
água decorre do clima mais seco nos últimos 40 anos, que
também intensificou o problema dos blecautes. Cerca de três
quartos da eletricidade na Venezuela vêm de hidrelétricas,
cujos reservatórios caíram para
os níveis mais baixos já vistos.
Chávez diz que o aumento do
consumo causado pelo crescimento econômico do país veio
a exacerbar o problema.
Críticos do governo alegam
que, apesar de a Venezuela ter
sido inundada por petrodólares
nos últimos anos, na medida
em que os preços da energia subiram, a insuficiência dos investimentos na manutenção e
ampliação das redes de água e
eletricidade está na raiz do problema. Eles apontam também
para a má administração crônica, falhas de planejamento e até
mesmo corrupção. Além disso,
o congelamento das tarifas não
incentivou a conservação de
água ou eletricidade.
Chávez está exortando os venezuelanos a reduzirem o desperdício. Diz que devem limitar-se a três minutos sob o chuveiro, reduzir uso de ar condicionado e desligar televisão e
luzes quando não estiverem em
uso. O presidente acrescenta
que os maiores culpados são os
ricos e ameaçou cortar o fornecimento de luz a um shopping
emblemático.
Aula de banho
O verborrágico líder venezuelano, que lidera o que chama de "Revolução Bolivariana"
e afirma que seu objetivo é a
criação do "homem novo",
também fez críticas às pessoas
que passam meia hora cantando debaixo do chuveiro.
"Já contei: três minutos é
mais que suficiente, e posso garantir a vocês que eu não cheiro
mal. Um minuto para se molhar, outro para se ensaboar e o
terceiro para se enxaguar. O
resto é desperdício", disse Chávez, elogiando as qualidades revigorantes dos banhos frios.
Poucos venezuelanos deixam de tomar nota da ironia do
fato de a falta de água e luz estar
ocorrendo em um país que, segundo Chávez se gaba com frequência, possui reservas de petróleo maiores do que as da
Arábia Saudita, além de um dos
maiores sistemas fluviais da
América do Sul.
Muitos não se deixam convencer pelas tentativas de Chávez de atribuir a responsabilidade pelos cortes de água e luz
ao fenômeno conhecido como
"El Niño" -aquecimento cíclico natural do oceano Pacífico.
"Não é o "El Niño" que está na
raiz do problema", diz Norberto Bausson, diretor do Instituto
Municipal de Água e Aquedutos de Sucre, Estado ao leste de
Caracas, que é controlado pela
oposição. Para ele, o racionamento é causado pela alta de
demanda decorrente do crescimento demográfico e do aumento do consumo per capita,
enquanto a ausência de investimentos infraestruturais levou
a oferta a ser menor hoje do que
era uma década atrás.
Problemas semelhantes explicam os cortes de eletricidade, mas analistas dizem que a
crise é ainda mais grave, entre
outras razões, porque os blecautes causam mais prejuízos
do que a intermitência do fornecimento de água -que pode
ser armazenada com relativa
facilidade-, enquanto o aumento da capacidade de geração elétrica levará anos.
Chávez parece ter reconhecido a gravidade da questão, tanto que recentemente criou um
Ministério da Eletricidade.
Victor Poleo, que foi vice-ministro da Eletricidade de 1999 a
2001, acha que a corrupção é a
principal razão pela qual foi
gasto menos de um quarto dos
US$ 643 milhões previstos no
Orçamento para projetos de infraestrutura de transmissão de
eletricidade entre 2001 e 2005.
Na verdade, menos de 10% da
capacidade adicional de geração elétrica avaliada como necessária há dez anos foi instalada até hoje.
Além da crise nos serviços
públicos, os venezuelanos enfrentam um dos mais altos índices de criminalidade do mundo, sem falar em uma inflação
galopante. Tudo isso erodiu os
índices de aprovação de Chávez
em até dez pontos percentuais
nos últimos 12 meses.
O cientista político Gregory
Wilperti, simpatizante de Chávez, diz que esses problemas
podem afetar a performance do
presidente nas cruciais eleições
legislativas de 2010.
"Se o problema da eletricidade se agravar, ou até mesmo se
não melhorar, o governo pode
enfrentar problemas sérios."
Tradução de CLARA ALLAIN
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