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"Viver se tornou complicado", diz
"cliente" com reumatismo e câncer
DA REDAÇÃO
Sofrendo com um reumatismo
e um câncer de próstata incurável,
o astrofísico alemão Herbert Mataré, 90, decidiu que não vale mais
a pena continuar vivendo se a
doença lhe causar sofrimento. Resolveu contatar a organização suíça Dignitas para preparar um suicídio assistido quando o avanço
da doença o incapacitar para o
trabalho.
Vivendo há 50 anos nos EUA,
Mataré mantém-se ativo. Membro de um grupo de consultoria e
ex-professor da Universidade da
Califórnia em Los Angeles
(UCLA), ele trabalha atualmente
em um estudo sobre "eletrônica
do estado sólido", tema de um
dos três livros que publicou.
"Eu ainda posso trabalhar, ainda posso andar, e até agora não tenho sentido muita dor. Mas, assim que a situação se complicar,
vou a Zurique acabar com isso",
disse ele à Folha. Para Mataré, viver se tornou "muito complicado
e doloroso".
Ele diz ter convencido a filha,
que vive na Alemanha, a apoiar
sua decisão. Mas seu irmão Helmut Mataré, 84, que vive na cidade de Bertioga, no litoral de São
Paulo, diz não concordar.
"Acho muito triste que ele tenha
chegado a esse ponto. Gostaria de
tentar demovê-lo dessa idéia",
diz. "Acho que, apesar das doenças, ele ainda tem saúde suficiente
para levar uma vida calma", afirma Helmut.
Leia a seguir a entrevista que
Herbert Mataré concedeu à Folha, por telefone, de Malibu, na
Califórnia, onde vive.
(RW)
Folha - Por que o sr. decidiu fazer
um suicídio assistido?
Herbert Mataré - Porque não tenho muitas chances de cura. E
aqui [nos EUA] não existe a permissão legal para a eutanásia.
Considero isso um direito humano básico. A eutanásia deveria ser
um direito humano mais básico
que o de ter filhos.
Folha - Que tipos de problemas
de saúde o sr. tem?
Mataré - Tenho muitos problemas, estou com 90 anos. Tenho
reumatismo, câncer de próstata...
Folha - E então o sr. decidiu que
não quer mais viver?
Mataré - Não, a questão é que
ainda tenho trabalhos que quero
fazer e que ainda posso fazer. Mas
queria estar seguro de que eu posso ir lá [a Zurique] a qualquer momento, quando necessário, para
pôr fim à minha vida.
Folha - O sr. não sente mais prazer em viver?
Mataré - Não, é muito complicado. É doloroso, tenho de tomar
muitos remédios. Quando não
puder mais trabalhar, vou para
Zurique colocar um fim nisso.
Folha - O sr. já teve alguma dúvida sobre essa decisão, de caráter
religioso ou ético?
Mataré - Devo dizer francamente. Sou um astrofísico, tenho convicção sobre a natureza efêmera
de nossa existência neste pequeno
planeta. Não tenho conexão com
nenhuma fé tradicional.
Folha - Então o sr. não tem nenhum temor em relação ao suicídio?
Mataré - Sou agnóstico. Eu acho
que a vida humana é uma situação temporária, assim como qualquer vida orgânica, que vai e vem.
Folha - E por que o sr. decidiu que
a opção é ir para Zurique para um
suicídio assistido e não se suicidar
sozinho?
Mataré - Eu pensei em fazer isso.
Enforcar-me é muito difícil e doloroso. Se usar uma arma, poderia
ter algum problema, errar o tiro e
não morrer. Tudo isso pode ser
muito doloroso também para os
meus parentes. Quero fazer isso
de maneira que meus parentes
não tenham nenhum problema.
Folha - O sr. já está planejando a
viagem?
Mataré - Eu ainda posso trabalhar, ainda posso andar e, até agora, não tenho sentido muita dor.
Mas, assim que a situação começar a se complicar, vou discutir a
questão com minha filha. Ela vai
me acompanhar a Zurique, e vou
acabar com isso lá.
Folha - Mas ela não poderá ter algum problema legal depois?
Mataré - Não, ela vai estar fazendo o que eu quero. O que eu acertei com esse grupo em Zurique.
Não se pode censurar qualquer
outra pessoa por isso. Minha filha
provavelmente não queria que eu
fizesse isso. Tenho de pedir, implorar a ela, para tomar conta depois das minhas cinzas.
Folha - O que sua família diz sobre isso?
Mataré - Bem, tenho minha filha
na Alemanha, com quem discuti
o assunto e que não queria tomar
parte nisso. Mas ela teve de concordar finalmente, porque eu não
posso continuar mais. Depende
de mim colocar um ponto final na
minha vida, e eu decidi que o que
vivi já é o suficiente.
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