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São Paulo, domingo, 02 de fevereiro de 2003

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NO ATAQUE

Em ritmo frenético, americanos montam o teatro de operações, enquanto o resto do planeta discute seus motivos

A guerra de Bush

Anja Niedringhaus - 20.dez.2002/Associated Press
CONFRONTO Soldados americanos treinam no deserto do Kuait


Suhaib Salem - 7.jan.2003/Reuters
Iraquianas desfilam com rifles em parada militar perto de Bagdá



EUA ENFRENTAM SADDAM E O CETICISMO MUNDIAL


MARCIO AITH
DE WASHINGTON

Apesar da oposição crescente da opinião pública internacional e de membros do próprio Partido Republicano, não faltam motivações para o presidente George W. Bush declarar guerra ao Iraque e deflagrar seu segundo conflito militar em dois anos de governo.
Bush é movido por uma teia de razões que vão desde a oficial -proteger os EUA e o mundo do terrorismo pós-11 de setembro- à suposição óbvia de que deseja completar a guerra de seu pai, o ex-presidente George Bush, que interrompeu a Guerra do Golfo (1991) sem tirar o ditador Saddam Hussein do poder.
Além desses, outros motivos começam a ganhar força com a proximidade da guerra e a recente revelação de bastidores do governo Bush. Despontam, entre eles, a oportunidade de usar um ataque ao Iraque como "estréia" da Doutrina Bush -princípios que reservam aos EUA a prerrogativa de lançar guerras preventivas- e o desejo da Casa Branca de reduzir sua dependência do petróleo saudita e estimular, com a mudança de regime no Iraque, a "abertura" política em cascata em outros países da região.
"Posso garantir que uma eventual guerra não terá sido motivada pela busca de índices de aprovação ou preocupação do presidente com sua campanha à reeleição", disse à Folha o principal marqueteiro do Partido Republicano e assessor direto de Bush, Matthew Dowd.
"O presidente não precisa de uma guerra para se reeleger. Sua popularidade se situa hoje em 60%. Os ex-presidentes [Ronald] Reagan e [Bill] Clinton foram reeleitos com índices de aprovação de 58% e 53%, respectivamente. Jamais um presidente com mais de 50% de aprovação perdeu uma reeleição", diz Dowd.
Bush, porém, está apenas na metade de seu mandato. Para efeito de comparação, George Bush pai, quando estava na metade do mandato -que coincidiu com a Guerra do Golfo (1991)-, chegou a ter cerca de 70% de aprovação. Dois anos depois, foi derrotado por Bill Clinton.
Segundo Dowd, Bush filho é um líder com "convicções próprias" e as persegue com obstinação. O problema, dizem seus opositores, é que essas convicções são formadas sem consulta à própria elite que deu consistência ideológica à candidatura Bush. Por terem se mostrado céticos com relação à guerra, republicanos ilustres como os ex-secretários de Estado, James Baker e Lawrence Eagleburger e o ex-assessor de segurança nacional de Bush pai, Brent Scowcroft, foram alijados do processo de decisão.
Seja como for, Bush elegeu-se com o apoio do moderado Baker e governa com as cabeças radicais do secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, da assessora de Segurança Nacional, Condoleezza Rice, e do subsecretário da Defesa, Paul Wofowitz - um acadêmico que, como assessor do governo no final dos anos 80, defendia um ataque preventivo contra a URSS.
Ao revelar num livro a intimidade do governo Bush, David Frum, ex-redator de discursos da Casa Branca, sugeriu que a decisão de derrubar Saddam foi tomada logo depois de 11 de setembro por um grupo mínimo, antes mesmo da elaboração da justificativa oficial.
"Bush decidiu que os EUA haviam perdido seu predomínio no Oriente Médio. Ele queria ver planos para derrubar Saddam e queria um discurso que explicasse ao mundo por que o ditador do Iraque deveria sair", diz o ex-redator de Bush em "The Right Man" (o homem certo). Frum acabou criando a expressão "eixo do ódio", depois transformada em "eixo do mal" e lida por Bush no discurso sobre o Estado da União em janeiro de 2001.
Naquele momento, os EUA nem se esforçavam para comprovar qualquer ligação entre o terrorista saudita e o regime de Saddam. Polêmica, a expressão juntou num mesmo bolo as ameaças representadas pelos regimes do Irã, da Coréia do Norte e do Iraque e marcou a primeira ofensiva retórica formal de Bush contra o ditador iraquiano.
Ted Widmer, redator de discursos do ex-presidente Bill Clinton, diz que o relato de Frum é preocupante. "Essa passagem é bizarra seja qual for a orientação política de quem a analise. Ou a decisão de invadir [o Iraque] foi tomada sem que qualquer um dentro do governo soubesse exatamente a razão ou, o que é pior, a administração Bush estava genuinamente interessada na opinião de Frum sobre ir à guerra. Redatores de discursos não existem para determinar a política dos EUA."
Apesar disso, há quem veja no relato de Frum motivos consistentes para um ataque ao Iraque. A deposição de Saddam Hussein poderia instalar no país uma nova "cabeça de ponte" dos EUA na região, reduzir a dependência política e econômica que os EUA têm da Arábia Saudita e redesenhar o mapa político do Oriente Médio.
Embora tais objetivos não tenham relação direta com os atentados de 11 de setembro, eles seriam lógicos num momento em que a supremacia militar americana atinge nível inigualável na história da humanidade.
Seria um momento propício para desafiar não só o terrorismo mundial, mas também o cartel da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo). Controlando o Iraque, os EUA garantiriam petróleo a preços baixos e favoreceriam as companhias americanas do setor.
"Se o produto-chefe das exportações do Iraque fosse o brócolis, você acha que tudo isso estaria acontecendo?", pergunta Kevin Danaher, do grupo humanitário Global Exchange.
Críticos ilustres de Bush, como o economista Paul Krugman, dizem que o petróleo e as eleições presidenciais de 2004 são os principais motores da guerra. Encurralado por uma crise econômica que faz encolher sua popularidade, Bush estaria tentando usar o conflito para dar sobrevida à aprovação pós-11 de setembro.
"O problema da análise de Krugman é que os índices de popularidade do presidente não desabaram", contesta Dowd, o marqueteiro de Bush. "Quando estavam no mesmo período do governo Bush, os ex-presidentes Reagan e Clinton tinham índices de popularidade de 35% e 49%. Bush tem 60%. É, sob qualquer aspecto, um presidente muito popular."


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