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São Paulo, domingo, 02 de fevereiro de 2003

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Estimativa é que os preparativos militares anglo-americanos para a ação no Iraque estejam completos até o começo de março

Teatro de guerra ainda não está pronto

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

As estimativas correntes de que a guerra anglo-americana contra o Iraque só começaria na segunda metade de fevereiro, ou no começo de março, não são baseadas apenas na movimentação diplomática. Esse tempo é necessário também para completar os preparativos militares, especialmente das forças terrestres.
Entre duas a três semanas são necessárias para uma divisão de infantaria mecanizada embarcar seu equipamento e viajar de navio para o golfo Pérsico. Desembarcar, aclimatar-se e organizar-se para um ataque também tomaria vários dias.
Uma divisão é uma unidade que tem entre 10 mil e 15 mil homens (o total depende do tipo, depende do país). Por enquanto, os EUA já definiram o envio da 3ª e da 4ª divisões de infantaria mecanizada, respectivamente baseadas em Fort Stewart (Geórgia) e Fort Hood (Texas). Apesar do nome "infantaria", essas unidades também têm um grande complemento de tanques.

Mobilidade
Atacar por terra com forças de pronto emprego sem esperar pelo total do contingente seria arriscado -embora surpreender o inimigo seja um princípio fundamental da guerra. Apesar de já existir no Kuait um estoque de tanques M-1 Abrams e blindados de transporte de tropas M-2 Bradley, o grosso desses veículos teria de vir por mar.
Empregar duas divisões com ainda maior poder de fogo -a 1ª Blindada e a 1ª de Cavalaria- e outra com maior mobilidade -a 101ª de Assalto Aéreo- também faz parte dos planos americanos. A 101ª seria particularmente útil pela sua alta mobilidade, pois está equipada com dezenas de helicópteros de ataque (Apache), de assalto (Blackhawk) e de transporte pesado (Chinook).
Cinco grandes navios de ataque anfíbio, com cerca de 4.000 fuzileiros navais americanos a bordo, estão no Golfo ou a caminho, assim como quatro porta-aviões.

As forças do Iraque
Em termos numéricos, as Forças Armadas do Iraque continuam respeitáveis. O Exército tem cerca de 400 mil homens; entre 2.200 e 2.500 tanques (dos quais 700 tanques russos T-72, o mais moderno disponível); de 5.000 a 8.000 blindados diversos de transporte de tropas; e 3.000 canhões.
O melhor equipamento está em mãos da Guarda Republicana. O resto do Exército é considerado de pouco valor combatente.
Para compensar a inferioridade numérica, os EUA contam com o maior poder de fogo, especialmente na aviação. Qualquer contra-ataque em maior escala atrairia bombardeios imediatos.

Ataques aéreos
Durante toda a Guerra do Golfo (1991) -que durou pouco mais de um mês-, foram lançados contra o Iraque cerca de 300 mísseis cruise ("de cruzeiro") Tomahawk pela Marinha americana, e mais 35 mísseis lançados de avião pela Força Aérea.
O objetivo agora seria concentrar ainda mais os ataques aéreos e de mísseis. Uma estimativa veiculada pela televisão americana afirma que cerca de 300 mísseis cruise seriam lançados logo no primeiro dia, com uma dose semelhante no dia seguinte.
Em 1991, em seis semanas de ataques aéreos foram usadas duas vezes mais bombas "inteligentes" (guiadas por laser) do que contra o Vietnã do Norte em nove meses de bombardeio.
Na Guerra do Golfo em torno de 10% das bombas lançadas pelos EUA tinham alguma forma de guiagem eletrônica que as transformava em "armas inteligentes". As outras eram bombas "burras", de queda livre. Mas uma novidade tecnológica, usada nos bombardeios na antiga Iugoslávia e no Afeganistão promete inverter o percentual ao dotá-las de uma "inteligência artificial".
O kit de modificação conhecido como JDAM instala um sensor de guiagem por satélite GPS nas bombas "burras", tornando-as capazes de acertar um alvo com margem de erro de meros 13 metros, de noite ou de dia com visibilidade ruim.

Água
A tecnologia desenvolvida na última década permite diminuir o número de aviões deslocados para a região, graças à maior precisão do armamento.
Mas as forças terrestres ainda dependem de um suporte logístico considerável, ainda mais se o objetivo for atingir Bagdá a partir da fronteira kuaitiana.
Calcula-se que uma moderna divisão blindada americana consuma entre 1.000 e 1.500 toneladas de suprimentos por dia (como comparação, uma divisão Panzer alemã de 1940 exigia apenas 300 toneladas).
Um soldado em combate no calor do Iraque consome vários litros de água. Os veículos, principalmente os tanques, também "bebem" muito. Um tanque M-1 Abrams, em terreno firme, consome 4,3 litros de combustível por quilômetro. E são 550 km de Basra até Bagdá.
O maior desafio para os EUA e seus aliados não é destruir fisicamente as Forças Armadas do Iraque. A guerra passada mostrou que isso é relativamente fácil. O desafio é vencer a guerra rapidamente, com pouco dano à infra-estrutura do país, já que o objetivo é criar um novo Iraque pró-ocidental e quiçá até democrático (não foi o caso do Kuait "liberado"). E isso significa acertar alvos precisos: Saddam Hussein e suas bases de apoio.
Especulações de como seria uma guerra estão em toda parte. O mesmo aconteceu no conflito de 1991. Mas apesar de miríades de "estrategistas de poltrona" darem palpites, mesmo assim os EUA e a coalizão aliada conseguiram então obter uma raríssima surpresa estratégica.
Em vez de atacar diretamente os iraquianos no Kuait, o comandante americano, hoje general aposentado do Exército, Norman Schwarzkopf, fez um longo desvio para oeste, avançando profundamente dentro do próprio Iraque. Esse brilhante "gancho de esquerda" fez a guerra terrestre ser vencida em apenas cem horas.
Naquela oportunidade, assim como agora, havia um bom número de fuzileiros navais a bordo de navios especializados em ataque anfíbio.
Mas não houve nenhum desembarque tipo "Dia D" (a fundamental reconquista da França ocupada pelos nazistas a partir da Normandia, em 1944).

Flexibilidade
Além dos marines americanos, há dois batalhões de fuzileiros navais britânicos -"royal marine commandos" 40 e 42- a caminho da região, hoje fazendo exercícios no Mediterrâneo. São duas das unidades que ajudaram a retomada das ilhas Falklands/Malvinas dos argentinos em 1982.
Se haverá alguma surpresa estratégica em caso de guerra, obviamente só o tempo dirá. Mas a concentração de forças altamente profissionais, com maior poder de fogo e dotadas de tecnologia muito superior, embora numericamente inferiores, dá uma flexibilidade crucial aos planejadores anglo-americanos.


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