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São Paulo, domingo, 02 de fevereiro de 2003

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Esta guerra é sobre o petróleo iraquiano

JEFFREY SACHS

Em todo o mundo as pessoas perguntam qual é o verdadeiro motivo da guerra que a administração Bush ameaça desencadear contra o Iraque. Pôr fim às armas de destruição em massa? Será algo mais pessoal, um ato de vingança de um filho contra o homem que tentou assassinar seu pai? O objetivo seria defender Israel? Seria reinventar o Oriente Médio como região mais democrática, como afirmam muitas das vozes mais importantes do governo Bush? Ou, como desconfiam alguns setores, estaria a guerra sendo planejada para que os EUA possam conseguir o controle do petróleo iraquiano?
A administração Bush já ofereceu uma série de justificativas para seus atos, embora a ênfase constante seja dada à questão das armas de destruição em massa. O vice-secretário da Defesa, Paul Wolfowitz, fala em fazer do Iraque "a primeira democracia árabe". Outras vozes no governo argumentam que a adoção de uma política agressiva em relação ao Iraque pode acabar por provocar a queda dos governos autocráticos do Oriente Médio.
Praticamente ninguém fora dos EUA acredita nesses argumentos. A maioria acredita que o petróleo ocupe o primeiro lugar na lista de motivos americanos. A não ser que os arquivos de segurança nacionais se abram de repente, é pouco provável que encontremos uma descrição definitiva dos pensamentos reais do presidente.
Uma pergunta que pode se mostrar mais frutífera do que a indagação sobre as motivações dos EUA diz respeito a como os EUA vão agir depois que a guerra começar. Nessa área, não precisamos recorrer a palpites. Podemos analisar o comportamento que a América vem tendo na história recente.
Olhando para os fatos históricos passados, fica difícil imaginar que os EUA irão promover uma reforma democrática no Oriente Médio. O Oriente Médio de hoje foi construído pelos EUA e a Europa. Seus déspotas e monarcas devem suas posições às maquinações e às tramas desenvolvidas pelo Ocidente.
Ao longo de todo o século 20, a autodeterminação, a democracia e a reforma econômica nos países árabes ficaram em segundo plano em relação ao petróleo. Quando os britânicos convenceram os chefes tribais árabes a lutar em prol do Império Britânico, na Primeira Guerra Mundial, os árabes não foram recompensados com a soberania quando a guerra terminou, mas com a suserania britânica e francesa.
Em cada ocasião em que a democracia real no Oriente Médio colocou em risco o controle americano sobre as reservas de petróleo, a democracia foi sacrificada. Considere-se o golpe de Estado patrocinado pela CIA contra o primeiro-ministro iraniano Mossadegh. Em 1951, Mossadegh nacionalizou a indústria petrolífera iraniana, provocando um boicote britânico em 1952 e, em 1953, uma intervenção apoiada pelos EUA que derrubou o premiê.
Outro exemplo é o apoio que o Ocidente deu à repressão militar na Argélia, depois que eleições democráticas promovidas nesse país, no início de 1992, ameaçaram levar ao poder a Frente Islâmica de Salvação (FIS). O Exército argelino entrou em ação, e vários governos ocidentais, liderados pela França, mas com respaldo dos EUA, apoiaram.


Uma guerra por petróleo solapará a sociedade internacional e a segurança dos Estados Unidos


E democracia não tem nada a ver com a política dos EUA na Ásia Central, ex-soviética, onde diplomatas e empresas petrolíferas americanas tropeçam uns nos outros na correria para fazer negócios no Cazaquistão, no Turcomenistão e no Uzbequistão, apesar de seus governos despóticos.
Uma boa visão da política americana provável no Iraque no pós-guerra pode ser encontrada em documentos-chave escritos por e para a administração Bush antes do 11 de setembro, quando a análise do Oriente Médio estava muito menos contaminada pelos temores atuais. Desses documentos, provavelmente o mais interessante é um estudo intitulado "Desafios estratégicos da política energética do século 21", produzido pelo Instituto James Baker 3º de Política Pública da Universidade Rice, no Texas, e pelo Conselho de Relações Exteriores.
O estudo deixa claro dois pontos. Em primeiro lugar, o Iraque é vital para o fluxo de petróleo do Oriente Médio, já que possui a segunda maior reserva petrolífera do mundo. Segundo o relatório, os EUA precisam do óleo iraquiano por razões de segurança econômica, mas, por motivos de segurança militar, não podem permitir que Saddam desenvolva sua produção.
A implicação parece ser clara: os EUA precisam de um novo regime iraquiano para garantir sua própria segurança econômica. A democracia é um fator que não é mencionado.
Esse documento também oferece uma visão interessante das preocupações de membros do governo como o vice-presidente, Dick Cheney, e o secretário da Defesa, Donald Rumsfeld. Ambos passaram a integrar a liderança nacional em 1974, durante o governo de Gerald Ford, no momento em que o embargo petrolífero promovido por países árabes gerou um choque econômico que decretou a sentença de morte da Presidência de Ford. O estudo "Desafios estratégicos da política energética" dá ênfase tremenda aos riscos de ocorrer uma turbulência semelhante hoje.
A administração Bush pode acreditar que esteja partindo para a guerra para lutar pela democracia no Oriente Médio, mas, infelizmente, uma guerra travada pelo petróleo será uma guerra que vai desestabilizar a política e a sociedade internacionais ainda mais e que vai solapar a verdadeira segurança dos Estados Unidos e do mundo.


Jeffrey D. Sachs é professor de economia e diretor do Instituto da Terra da Universidade Columbia

Tradução de Clara Allain


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