|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Esta guerra é sobre o petróleo iraquiano
JEFFREY SACHS
Em todo o mundo as pessoas
perguntam qual é o verdadeiro
motivo da guerra que a administração Bush ameaça desencadear
contra o Iraque. Pôr fim às armas
de destruição em massa? Será algo mais pessoal, um ato de vingança de um filho contra o homem que tentou assassinar seu
pai? O objetivo seria defender Israel? Seria reinventar o Oriente
Médio como região mais democrática, como afirmam muitas
das vozes mais importantes do
governo Bush? Ou, como desconfiam alguns setores, estaria a
guerra sendo planejada para que
os EUA possam conseguir o controle do petróleo iraquiano?
A administração Bush já ofereceu uma série de justificativas para seus atos, embora a ênfase
constante seja dada à questão das
armas de destruição em massa. O
vice-secretário da Defesa, Paul
Wolfowitz, fala em fazer do Iraque "a primeira democracia árabe". Outras vozes no governo argumentam que a adoção de uma
política agressiva em relação ao
Iraque pode acabar por provocar
a queda dos governos autocráticos do Oriente Médio.
Praticamente ninguém fora dos
EUA acredita nesses argumentos.
A maioria acredita que o petróleo
ocupe o primeiro lugar na lista de
motivos americanos. A não ser
que os arquivos de segurança nacionais se abram de repente, é
pouco provável que encontremos uma descrição definitiva dos
pensamentos reais do presidente.
Uma pergunta que pode se
mostrar mais frutífera do que a
indagação sobre as motivações
dos EUA diz respeito a como os
EUA vão agir depois que a guerra
começar. Nessa área, não precisamos recorrer a palpites. Podemos analisar o comportamento
que a América vem tendo na história recente.
Olhando para os fatos históricos passados, fica difícil imaginar
que os EUA irão promover uma
reforma democrática no Oriente
Médio. O Oriente Médio de hoje
foi construído pelos EUA e a Europa. Seus déspotas e monarcas
devem suas posições às maquinações e às tramas desenvolvidas
pelo Ocidente.
Ao longo de todo o século 20, a
autodeterminação, a democracia
e a reforma econômica nos países
árabes ficaram em segundo plano em relação ao petróleo. Quando os britânicos convenceram os
chefes tribais árabes a lutar em
prol do Império Britânico, na Primeira Guerra Mundial, os árabes
não foram recompensados com a
soberania quando a guerra terminou, mas com a suserania britânica e francesa.
Em cada ocasião em que a democracia real no Oriente Médio
colocou em risco o controle americano sobre as reservas de petróleo, a democracia foi sacrificada.
Considere-se o golpe de Estado
patrocinado pela CIA contra o
primeiro-ministro iraniano Mossadegh. Em 1951, Mossadegh nacionalizou a indústria petrolífera
iraniana, provocando um boicote
britânico em 1952 e, em 1953,
uma intervenção apoiada pelos
EUA que derrubou o premiê.
Outro exemplo é o apoio que o
Ocidente deu à repressão militar
na Argélia, depois que eleições
democráticas promovidas nesse
país, no início de 1992, ameaçaram levar ao poder a Frente Islâmica de Salvação (FIS). O Exército argelino entrou em ação, e vários governos ocidentais, liderados pela França, mas com respaldo dos EUA, apoiaram.
Uma guerra por petróleo solapará a sociedade internacional e a segurança dos Estados Unidos
|
E democracia não tem nada a
ver com a política dos EUA na
Ásia Central, ex-soviética, onde
diplomatas e empresas petrolíferas americanas tropeçam uns nos
outros na correria para fazer negócios no Cazaquistão, no Turcomenistão e no Uzbequistão, apesar de seus governos despóticos.
Uma boa visão da política americana provável no Iraque no
pós-guerra pode ser encontrada
em documentos-chave escritos
por e para a administração Bush
antes do 11 de setembro, quando
a análise do Oriente Médio estava
muito menos contaminada pelos
temores atuais. Desses documentos, provavelmente o mais interessante é um estudo intitulado
"Desafios estratégicos da política
energética do século 21", produzido pelo Instituto James Baker
3º de Política Pública da Universidade Rice, no Texas, e pelo
Conselho de Relações Exteriores.
O estudo deixa claro dois pontos. Em primeiro lugar, o Iraque é
vital para o fluxo de petróleo do
Oriente Médio, já que possui a segunda maior reserva petrolífera
do mundo. Segundo o relatório,
os EUA precisam do óleo iraquiano por razões de segurança econômica, mas, por motivos de segurança militar, não podem permitir que Saddam desenvolva
sua produção.
A implicação parece ser clara:
os EUA precisam de um novo regime iraquiano para garantir sua
própria segurança econômica. A
democracia é um fator que não é
mencionado.
Esse documento também oferece uma visão interessante das
preocupações de membros do
governo como o vice-presidente,
Dick Cheney, e o secretário da
Defesa, Donald Rumsfeld. Ambos passaram a integrar a liderança nacional em 1974, durante
o governo de Gerald Ford, no
momento em que o embargo petrolífero promovido por países
árabes gerou um choque econômico que decretou a sentença de
morte da Presidência de Ford. O
estudo "Desafios estratégicos da
política energética" dá ênfase tremenda aos riscos de ocorrer uma
turbulência semelhante hoje.
A administração Bush pode
acreditar que esteja partindo para a guerra para lutar pela democracia no Oriente Médio, mas, infelizmente, uma guerra travada
pelo petróleo será uma guerra
que vai desestabilizar a política e
a sociedade internacionais ainda
mais e que vai solapar a verdadeira segurança dos Estados Unidos
e do mundo.
Jeffrey D. Sachs é professor de economia e diretor do Instituto da Terra da Universidade Columbia
Tradução de Clara Allain
Texto Anterior: Artigos: Esta guerra é contra o terror em massa Próximo Texto: Petróleo e orgulho motivam os EUA, diz especialista Índice
|