|
Texto Anterior | Índice
Petróleo e orgulho motivam os EUA, diz especialista
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
Duas razões principais motivam o governo de George W.
Bush em sua aparente intenção de
atacar o Iraque. Primeiro, o fato
de ela não poder voltar atrás, sem
demonstrar fraqueza, após ter feito declarações bastante incisivas
contra Bagdá. Segundo, as enormes reservas de petróleo iraquianas, que permitiriam que as grandes potências tivessem menos
problemas ligados a suas necessidades energéticas e geopolíticas.
A análise é de Charles Tilly, 73,
sociólogo, historiador, especialista em relações internacionais da
Universidade Columbia (EUA).
Leia a seguir trechos de sua entrevista, por telefone, à Folha.
Folha - Quais razões reais têm os
EUA para dar início a uma nova
guerra no golfo Pérsico?
Charles Tilly - Há ao menos duas
razões principais. Primeiro, para
manter o papel dos EUA de polícia do mundo, o governo tem de
mostrar-se coerente com suas declarações contrárias ao Iraque.
O primeiro escalão bateu tanto
na tecla de que Saddam é um ditador cruel e capaz de permitir ou
de orquestrar a proliferação de armas de destruição em massa que,
atualmente, se encontra sem outra saída possível. Se voltarem
atrás agora, eles deverão arcar
com altos custos geopolíticos.
Segundo, o controle do petróleo
do Oriente Médio, inclusive o do
Iraque, é prioritário para os EUA.
Afinal, se a ação fosse bem-sucedida, isso significaria que as grandes potências ficariam menos dependentes no que concerne ao
acesso ao petróleo da região. Não
se trata de uma surpresa, visto
que tanto Bush quanto Dick Cheney [vice-presidente dos EUA] fizeram parte de suas carreiras na
indústria do petróleo.
Especulo que haja ainda uma
terceira razão. Em Washington,
os principais assessores da Presidência devem ter em mente que
as duas principais "bases" americanas no Oriente Médio, Israel e a
Arábia Saudita, se tornaram pouco seguras por uma miríade de razões. Assim, se tiverem uma forte
presença política e militar no Iraque, os EUA poderão distanciar-se um pouco desses países.
Folha - Com base na Doutrina
Bush, podemos esperar que os ataques preventivos americanos sejam estendidos a outros países?
Tilly - No que se refere aos princípios dessa doutrina, minha resposta é sim. Mas, em termos práticos, a conquista e a ocupação do
Iraque serão tão complicadas, será tão difícil manter uma certa estabilidade, que acho pouco provável que Washington decida atacar
outros alvos rapidamente.
Por exemplo, o governo americano não está mais tão determinado a obrigar a Coréia do Norte
a acatar suas diretivas. Talvez essa
mudança tenha ocorrido porque
os especialistas militares do governo perceberam que controlar
o Iraque já será uma operação política bastante vasta.
Mesmo com seu poderio militar, os EUA correrão o risco de
exaurir suas fontes diplomáticas e
militares se começarem a estender seus esforços militares a outras partes do mundo.
Folha - O sr. acredita na democratização do Iraque e da região?
Tilly - Certamente, não. Washington quer controlar Bagdá para ter uma nova base de ação no
Oriente Médio e sabe que a democratização do país é um objetivo
distante. Não quero dizer, no entanto, que isso seja impossível.
Minha experiência diz, porém,
que o modo como o processo de
democratização de um país ou de
uma região ocorre não coloca o
Iraque entre um dos principais
candidatos a isso. Há, no Iraque,
uma forte fragmentação dos atores políticos, que vivem sob uma
ditadura há muito tempo, e atores
militares muito importantes.
Alguns analistas citam o Japão e
a Alemanha do pós-guerra para
sustentar o argumento de que o
Iraque pode ser democratizado. É
um argumento falacioso, porque
tanto o Japão quanto a Alemanha
tiveram instituições relativamente democráticas antes da guerra, o
que não é o caso no Iraque.
Folha - Após o 11 de setembro,
que outra reação de Washington,
além da atual, era possível?
Tilly - A reação mais inteligente
teria sido reconhecer que a ameaça atual é bastante difusa, não podendo advir de uma só organização terrorista internacional. Com
isso, o governo americano poderia ter sido mais ativo ao tentar infiltrar agentes em segmentos dos
diferentes grupos terroristas.
A idéia de que é possível enfrentar uma ameaça tão difusa por
meio da força militar é ridícula se
colocada num contexto histórico.
Os EUA deveriam ter buscado
combater as partes conhecidas
das redes terroristas em vez de
lançar uma ameaça militar que,
salvo engano, não produzirá os
resultados esperados.
Folha - Como a questão iraquiana
afetou a credibilidade da ONU?
Tilly - Como uma força diplomática, a ONU perdeu muito de sua
credibilidade ao longo dos últimos 12 meses, o que me decepciona bastante. Afinal, os EUA mostraram que podem agir independentemente da vontade da ONU.
Mas ainda não há uma alternativa
razoável ao sistema da ONU.
Texto Anterior: Esta guerra é sobre o petróleo iraquiano Índice
|