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São Paulo, domingo, 02 de fevereiro de 2003

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Petróleo e orgulho motivam os EUA, diz especialista

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Duas razões principais motivam o governo de George W. Bush em sua aparente intenção de atacar o Iraque. Primeiro, o fato de ela não poder voltar atrás, sem demonstrar fraqueza, após ter feito declarações bastante incisivas contra Bagdá. Segundo, as enormes reservas de petróleo iraquianas, que permitiriam que as grandes potências tivessem menos problemas ligados a suas necessidades energéticas e geopolíticas.
A análise é de Charles Tilly, 73, sociólogo, historiador, especialista em relações internacionais da Universidade Columbia (EUA).
Leia a seguir trechos de sua entrevista, por telefone, à Folha.

Folha - Quais razões reais têm os EUA para dar início a uma nova guerra no golfo Pérsico?
Charles Tilly -
Há ao menos duas razões principais. Primeiro, para manter o papel dos EUA de polícia do mundo, o governo tem de mostrar-se coerente com suas declarações contrárias ao Iraque.
O primeiro escalão bateu tanto na tecla de que Saddam é um ditador cruel e capaz de permitir ou de orquestrar a proliferação de armas de destruição em massa que, atualmente, se encontra sem outra saída possível. Se voltarem atrás agora, eles deverão arcar com altos custos geopolíticos.
Segundo, o controle do petróleo do Oriente Médio, inclusive o do Iraque, é prioritário para os EUA. Afinal, se a ação fosse bem-sucedida, isso significaria que as grandes potências ficariam menos dependentes no que concerne ao acesso ao petróleo da região. Não se trata de uma surpresa, visto que tanto Bush quanto Dick Cheney [vice-presidente dos EUA] fizeram parte de suas carreiras na indústria do petróleo.
Especulo que haja ainda uma terceira razão. Em Washington, os principais assessores da Presidência devem ter em mente que as duas principais "bases" americanas no Oriente Médio, Israel e a Arábia Saudita, se tornaram pouco seguras por uma miríade de razões. Assim, se tiverem uma forte presença política e militar no Iraque, os EUA poderão distanciar-se um pouco desses países.

Folha - Com base na Doutrina Bush, podemos esperar que os ataques preventivos americanos sejam estendidos a outros países?
Tilly -
No que se refere aos princípios dessa doutrina, minha resposta é sim. Mas, em termos práticos, a conquista e a ocupação do Iraque serão tão complicadas, será tão difícil manter uma certa estabilidade, que acho pouco provável que Washington decida atacar outros alvos rapidamente.
Por exemplo, o governo americano não está mais tão determinado a obrigar a Coréia do Norte a acatar suas diretivas. Talvez essa mudança tenha ocorrido porque os especialistas militares do governo perceberam que controlar o Iraque já será uma operação política bastante vasta.
Mesmo com seu poderio militar, os EUA correrão o risco de exaurir suas fontes diplomáticas e militares se começarem a estender seus esforços militares a outras partes do mundo.

Folha - O sr. acredita na democratização do Iraque e da região?
Tilly -
Certamente, não. Washington quer controlar Bagdá para ter uma nova base de ação no Oriente Médio e sabe que a democratização do país é um objetivo distante. Não quero dizer, no entanto, que isso seja impossível.
Minha experiência diz, porém, que o modo como o processo de democratização de um país ou de uma região ocorre não coloca o Iraque entre um dos principais candidatos a isso. Há, no Iraque, uma forte fragmentação dos atores políticos, que vivem sob uma ditadura há muito tempo, e atores militares muito importantes.
Alguns analistas citam o Japão e a Alemanha do pós-guerra para sustentar o argumento de que o Iraque pode ser democratizado. É um argumento falacioso, porque tanto o Japão quanto a Alemanha tiveram instituições relativamente democráticas antes da guerra, o que não é o caso no Iraque.

Folha - Após o 11 de setembro, que outra reação de Washington, além da atual, era possível?
Tilly -
A reação mais inteligente teria sido reconhecer que a ameaça atual é bastante difusa, não podendo advir de uma só organização terrorista internacional. Com isso, o governo americano poderia ter sido mais ativo ao tentar infiltrar agentes em segmentos dos diferentes grupos terroristas.
A idéia de que é possível enfrentar uma ameaça tão difusa por meio da força militar é ridícula se colocada num contexto histórico. Os EUA deveriam ter buscado combater as partes conhecidas das redes terroristas em vez de lançar uma ameaça militar que, salvo engano, não produzirá os resultados esperados.

Folha - Como a questão iraquiana afetou a credibilidade da ONU?
Tilly -
Como uma força diplomática, a ONU perdeu muito de sua credibilidade ao longo dos últimos 12 meses, o que me decepciona bastante. Afinal, os EUA mostraram que podem agir independentemente da vontade da ONU. Mas ainda não há uma alternativa razoável ao sistema da ONU.


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