São Paulo, sexta-feira, 02 de março de 2007

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Sob tensão regional, líder do Irã vai à Arábia Saudita

Ahmadinejad faz primeira visita oficial em meio a cisma crescente entre xiitas e sunitas

Ex-assessor da Casa Branca diz que iniciativa contraria estratégia dos EUA de isolar Teerã por meio de aliança com Israel e países árabes

MARCELO NINIO
DA REDAÇÃO

O presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, fará amanhã sua primeira visita oficial à Arábia Saudita, onde se reunirá com o rei Abdullah para tratar de alguns dos temas que causam maior tensão atualmente no Oriente Médio -todos com envolvimento de Teerã: o programa nuclear iraniano, a violência sectária no Iraque e a crescente animosidade entre muçulmanos xiitas e sunitas.
O encontro entre os líderes das duas potências regionais, que juntas possuem quase 35% das reservas mundiais de petróleo, ocorrerá ao fim de uma semana em que os Estados Unidos aceitaram o convite para participar de uma conferência de alto nível sobre o Iraque, com a participação do Irã. O gesto foi visto por analistas como uma possível inflexão na postura linha-dura de Washington em relação a Teerã.
"Os dois chefes de Estado discutirão temas do mundo islâmico, laços bilaterais e a situação no Oriente Médio", disse Mohammad Hosseini, embaixador do Irã na Arábia Saudita. "Quando as visões dos dois países se aproximam eles são capazes de desempenhar um papel influente na caótica situação do mundo islâmico."
A visita de Ahmadinejad será o passo mais significativo até agora da errática aproximação registrada entre os dois países nos últimos meses, numa tentativa de diminuir o nível de tensão regional. Essa aproximação incluiu a recente visita do negociador nuclear iraniano à Arábia Saudita, Ali Larijani, além de viagens de emissários sauditas à república islâmica.
O encontro de amanhã reforça ainda a mudança ocorrida recentemente na diplomacia saudita, que deixou a atitude tradicionalmente discreta e baseada em incentivos financeiros, para assumir um papel mais ativo, condizente com sua influência política e econômica -em seu solo estão os dois locais mais sagrados do mundo para os muçulmanos, Meca e Medina; debaixo dele estão as maiores reservas de petróleo do mundo.
A transformação pôde ser observada em alguns conflitos que incendiaram a região nos últimos meses, do Iraque -onde os sauditas passaram a apoiar publicamente a minoria sunita- ao Líbano, onde Riad e Teerã mediaram um acordo para resolver a disputa sectária que voltou a assombrar o país.
Na iniciativa mais recente, ocorrida no começo deste mês, os líderes das duas principais facções palestinas assinaram em Meca um acordo patrocinado pelos sauditas para formar um governo de união e tentar evitar uma guerra civil que parecia iminente.
Toda essa movimentação tem como pano de fundo a disputa entre o islamismo sunita -vertente a que pertencem os sauditas e 85% do mundo muçulmano- e o xiita, do qual o Irã é o principal representante.

Problemas comuns
Líbano e Iraque são alguns dos dilemas que unem sauditas e iranianos e tornam atraente uma solução conjunta. "Cada país tem um receio específico: a preocupação dos sauditas é o papel desestabilizador do Irã na região; a dos iranianos é a aliança saudita com os Estados Unidos", diz o analista libanês Talal Atrissi. "Essas preocupações só podem ser eliminadas por meio de contato direto. A questão é até onde Washington permitirá essa aproximação."
Gary Sick, assessor da Casa Branca para o Irã nos governos de Gerald Ford, Jimmy Carter e Ronald Reagan, concorda que a reação dos EUA será crucial para o sucesso da iniciativa, em princípio positiva, de aproximar as duas potências.
Em entrevista à Folha por telefone, ele interpretou o encontro de amanhã como um sinal de independência da diplomacia saudita em relação aos EUA, e da preocupação de Riad com o potencial explosivo das tensões regionais atuais.
Apesar de ser o maior aliado de Washington no mundo árabe, diz Sick, a Arábia Saudita está agindo de forma autônoma, de certa forma até divergente, em relação à política de Washington no Oriente Médio.
"Não posso imaginar que alguém em Washington esteja encorajando o rei Abdullah a receber Ahmadinejad. O encontro contraria a estratégia recentemente adotada pelos EUA para conter Teerã, que é a formação de uma aliança com a participação de países sunitas, encabeçados pelos sauditas, e Israel", disse Sick, hoje professor da Universidade Columbia, nos EUA.


Com agências internacionais


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