São Paulo, domingo, 02 de junho de 2002

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O jornal "The New York Times" faz a crônica dos derradeiros 102 minutos do WTC, construída a partir de conversas ao telefone e mensagens de e-mail dos que estavam nas torres e dos que trabalharam no resgate

A luta pela vida antes da morte das torres

"Mãe, não estou ligando para bater papo; um avião bateu no edifício"
"O que fazemos? O que vamos fazer?"
"Temos de sair daqui já"
"Oh, meu Deus! Eu te amo"
"Preciso ver minha mulher e meus filhos outra vez"


DO "THE NEW YORK TIMES"

Começaram como gritos de socorro, pedidos de informação ou orientação. Rapidamente, transformaram-se em vozes de desespero, de revolta e de amor. Agora, são a memória das vozes dos homens e das mulheres que ficaram presos nos andares superiores das Torres Gêmeas do World Trade Center em 11 de setembro.
De suas últimas palavras emergiu uma crônica comovente dos derradeiros 102 minutos do WTC, erguida sobre dezenas de conversas ao telefone, mensagens de e-mail e de voz. Esses relatos, somados aos depoimentos das poucas pessoas que escaparam, oferecem a primeira visão abrangente dos andares diretamente atingidos pelos aviões e dos que estavam acima deles.
Essas derradeiras palavras conferem forma humana a um lado quase invisível dessa catástrofe pública: o avanço da destruição nos 19 andares superiores da Torre Norte e nos 33 superiores da Torre Sul, onde o número de mortos foi maior. Das 2.823 pessoas dadas como mortas no ataque a Nova York, ao menos 1.946 (69%) morreram naqueles andares superiores.
Os funcionários dos serviços de resgate nem sequer chegaram perto delas. Os fotógrafos não puderam registrar seus rostos. Se foram vistos, foi só em vislumbres em janelas a quase 400 metros do solo.
No entanto, como mensagens enviadas numa garrafa eletrônica por pessoas ilhadas em algum céu distante, suas últimas palavras descrevem um mundo que se desfazia. Um homem envia um e-mail indagando: "Alguma notícia de fora?", antes de trepar sobre um peitoril no restaurante Windows on the World. Uma mulher conta que um colega está batendo com o sapato em torneiras dos extintores de incêndio, que não funcionam. Um marido calmamente relembra a mulher sobre a apólice do seguro, diz que o chão está cedendo debaixo de seus pés e fala que ela e seus filhos significaram tudo na sua vida.
Nenhuma ligação, tomada isoladamente, é capaz de descrever as cenas que se desenrolaram com rapidez pavorosa em vários lugares ao mesmo tempo. Porém, vistas em conjunto, as palavras saídas dos andares superiores oferecem não só uma visão ampla e assustadora das zonas devastadas, mas também a única janela com vista para atos de bravura, decência e humanidade, num momento brutal.
Mais de oito meses depois dos ataques, muitos sobreviventes e amigos e parentes de desaparecidos estão juntando suas lembranças, suas fitas gravadas e seus registros telefônicos, e 157 deles compartilharam os relatos de seus contatos para a elaboração desta reportagem. Pelo menos 353 dos mortos conseguiram falar com pessoas que estavam fora das torres. Faladas ou escritas no momento de sua morte, são palavras íntimas e duradouras. As famílias dizem que o alto custo de divulgá-las vale ser pago para que se tenha uma visão mais clara daqueles minutos finais.
Muitos também esperam que a história daquele dia seja ampliada de modo a abranger mais do que a bravura inequívoca dos 343 bombeiros e 78 outros funcionários de serviços de resgate. Já é chegada a hora, dizem, de incluir nela as experiências dos 2.400 civis que também morreram naquele dia.
Alguns detalhes continuam impossíveis de ser conhecidos. Havia poucos telefones em funcionamento. As evidências físicas foram destruídas. As conversas foram mantidas sob uma situação de tensão extrema e são relembradas através do filtro da dor, do tempo e da saudade. Mesmo assim, à medida que um pedacinho frágil de informação lança luz sobre outro, iluminam as condições vividas nos andares superiores do WTC.
As evidências que restaram levam a crer que 1.100 pessoas ou mais que estavam nas zonas de impacto ou acima delas sobreviveram aos choques iniciais, aproximadamente 300 na Torre Sul e 800 na Torre Norte. Muitas delas viveram até a queda dos edifícios.
Mesmo depois do impacto do segundo avião, uma escadaria aberta continuava a ligar os andares superiores da Torre Sul à rua. O "Times" identificou 18 homens e mulheres que a usaram para escapar da zona de impacto ou dos andares superiores a ela. Ao mesmo tempo em que eles estavam deixando o edifício, pelo menos 200 outras pessoas estavam subindo em direção à cobertura da Torre Sul, sem saber que havia uma escada pela qual seria possível descer e supondo -erroneamente- que conseguiriam abrir a porta que dava à cobertura. "Essa idéia equivocada de que havia a alternativa da cobertura custou suas vidas", disse Beverly Eckert, cujo marido, Sean Rooney, ligou após sua subida inútil.
Centenas de pessoas ficaram presas em andares não tocados pelos aviões. Apesar de os edifícios terem sobrevivido aos impactos iniciais, as torres se contorceram e dobraram, provocando danos fatais. As camadas de material prensado que recobriam as paredes bloquearam os vãos das escadarias. As molduras das portas se deformaram, levando as portas a emperrar. Com mais tempo e algumas ferramentas simples, como pés-de-cabra, os funcionários dos serviços de resgate talvez tivessem podido libertar pessoas que simplesmente não conseguiram chegar até as escadas. Pelo menos 28 pessoas foram libertadas nos andares 86 e 89 por algumas pessoas que conseguiram abrir portas emperradas antes de elas próprias morrerem.
Dezenas de pessoas perderam chances de escapar. Algumas pararam para dar um último telefonema, pegar uma bolsa ou fazer coisas como ajudar pessoas a sair de elevadores, cuidar de feridos ou acalmar desesperados.
As crises tiveram começo e fim idêntico nas duas torres, mas seu decorrer foi diferente. Pelo menos 37 pessoas -é provável que tenham sido bem mais de 50- podem ser vistas saltando ou caindo da Torre Norte, enquanto nenhuma é vista caindo da Torre Sul, numa coleção de 20 fitas de vídeo filmadas por amadores e profissionais desde ruas e edifícios vizinhos. O volume de fumaça e calor foi semelhante nas torres, mas, na Torre Norte, aproximadamente três vezes mais pessoas ficaram presas num espaço mais ou menos 50% menor. Dezenas se acercaram das janelas da Torre Norte, em busca de alívio. Na Torre Sul, as pessoas tiveram mais chances para mover-se entre os andares.
As zonas de impacto formaram fronteiras implacáveis entre os poupados e os fadados a morrer. Mesmo nas margens, as colisões foram devastadoras: a ponta da asa do segundo avião passou de raspão pelo saguão do 78º andar da Torre Sul e matou dezenas de pessoas que esperavam pelos elevadores. Ao todo, cerca de 600 civis morreram na Torre Sul, no andar do impacto do avião ou acima dele. Na Torre Norte, todos os que estavam acima do 91º andar morreram -1.344 ao todo.
Quanto mais distantes estavam do impacto, mais telefonemas as pessoas fizeram. Na Torre Norte, os bolsões de quase silêncio se estendiam para quatro andares para cima e um abaixo da zona de impacto. Chama a atenção, porém, que, em ambas as torres, mesmo nos andares atingidos frontalmente pelos aviões, algumas poucas pessoas sobreviveram por tempo suficiente para fazer ligações.
Para contextualizar essas mensagens fragmentadas, o "Times" entrevistou familiares, amigos e colegas das pessoas que morreram, obteve os horários dos telefonemas a partir das contas de celulares e dos registros de ligações para o número 911 (emergência), analisou 20 videoteipes e ouviu 15 horas de fitas de rádio da polícia e dos bombeiros.
O jornal também entrevistou 25 pessoas que viram em primeira mão a destruição causada pelos aviões, porque escaparam da zona de impacto ou de acima dela, na Torre Sul, ou de logo abaixo dela, na Torre Norte.


Tradução de Clara Allain


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