|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Patrulha muda eleição na divisa com EUA
População que há décadas cruzava a fronteira a pé, a cavalo ou de carro agora terá de atravessar pontes oficiais para votar
Modificação é reflexo de políticas adotadas pelos EUA após o 11 de Setembro, com o objetivo de impedir a passagem de terroristas
SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A REDFORD (TEXAS)
Nessa curva de terra, em que
alguns espanhóis resolveram
aproveitar uma aldeia de apaches e fazer um povoado no século 17, o que divide dois países
é um córrego barrento, de cinco
metros de largura, mais ou menos, e água no joelho de profundidade. No lado de lá, o Estado
mexicano de Chihuahua, ele é
chamado de Bravo. No lado de
cá, o texano, é chamado de
Grande. "Pois o rio não é Bravo
nem Grande", ensina Enrique
Madrid, acadêmico que estuda
o território há décadas. "Nem
mesmo fronteira, por mais que
"eles" insistam."
E "eles" insistem. Pela primeira vez numa eleição presidencial mexicana, as populações ribeirinhas dessa região e
ao longo de toda a fronteira do
Texas não poderão fazer o que
vinham fazendo havia décadas:
atravessar o rio a pé, de canoa, a
cavalo ou de carro para votar do
lado de lá e voltar para casa no
final do dia. Em vez disso, terão
de cruzar pontes oficiais, controladas pela Patrulha da Fronteira. É uma população de pelo
menos dois milhões de pessoas,
dos dois lados. E quem atravessar corre o risco de não voltar.
"Nós fizemos isso por décadas, e antes de nós nossos antepassados fizeram por milênios", disse à Folha Enrique
Madrid, famoso no Estado por
ser filho de Lucia Rede Madrid,
morta em janeiro, que nos anos
80 criou em sua quitanda uma
biblioteca improvisada, a única
da região até hoje, ganhou a
primeira página dos jornais do
país, doações do mundo inteiro
e duas medalhas do presidente
Bush, o primeiro.
"Não há um habitante daqui
que não tenha um parente próximo do lado de lá", contabiliza
Enrique. O lado de lá é a cidade
mexicana de Mulato. Todos,
sem exceção, foram afetados
por uma canetada da Casa
Branca dada meses após o 11 de
Setembro, que só "pegou" mesmo em Redford há cerca de três
anos. Pela medida, ficam proibidas as travessias de classe B
(as que vinham sendo feitas
por todos) e só permitidas as de
classe A (as que passam pelas
pontes oficiais e vigiadas).
A medida foi afetando cidadezinha após cidadezinha a leste e a oeste de Presídio, a maior
da região, com seis mil habitantes, de onde sai a ponte que vai
dar em Ojinaga, no lado mexicano. Em poucas semanas, caminhões da Patrulha da Fronteira com pedras foram despejados em caminhos e rotas de
pedestres que existiam há centenas e centenas de anos.
Armadilhas foram jogadas ao
longo dos rios. Operadores de
"chalupas" (pequenos barcos),
rapazes que ganhavam alguns
pesos para atravessar pessoas
daqui para lá, foram presos e
respondem a processos abertos
com base no Patriot Act, a lei
antiterror.
A justificativa é que as fronteiras porosas dessa região do
Texas abririam flancos para
que membros da Al Qaeda entrassem no país. "Em todo o
tempo em que estou aqui, não
houve um só caso de alguém
que tenha sido preso por esse
motivo, nem mesmo suspeitas", disse à Folha o pastor anglicano Melvin Walker La Follette, que cuidou da vida espiritual da comunidade nas duas
últimas décadas, até se aposentar, recentemente.
Seus cálculos batem. Segundo números oficiais da seção de
Marfa da Patrulha da Fronteira, que cuida de 750 km de divisa, no ano fiscal que terminou
em abril 33 pessoas foram presas entrando ilegalmente no
país por aqui, a maior parte
acusada de trabalhar como
"mula" para traficantes mexicanos. Quatro morreram no calor do deserto, que pode passar
fácil os 50C no auge do verão
-eram imigrantes ilegais.
"Mas nossa principal preocupação é mesmo o terrorismo", diz Bill Brooks, porta-voz
da Patrulha da Fronteira em
Marfa.
Nem todos os habitantes de
Redford seguem tão religiosamente a lei, porém. A reportagem da Folha foi levada a um
caminhozinho muito freqüentado pelos locais, que sai de trás
de um conjunto de casas-traileres, a parte paupérrima de
uma cidade pobre. A entrada
estava bloqueada por pedras
pela enésima vez. Atrás da barreira, sai uma trilha que vai dar
no rio Grande. Na mesma altura do lado mexicano, emerge
das águas outra trilha. Dos dois
lados, pegadas frescas denunciam o movimento. Hoje, o tráfego promete ser intenso.
Texto Anterior: Dois Méxicos antagônicos escolhem hoje presidente Próximo Texto: [+] Entrevista: Para Arriaga, imigrar ficou mais arriscado Índice
|