São Paulo, domingo, 02 de julho de 2006

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[+] entrevista

Para Arriaga, imigrar ficou mais arriscado

DO ENVIADO ESPECIAL À CIDADE DO MÉXICO

O escritor mexicano Guillermo Arriaga é um dos roteiristas de cinema mais premiados do mundo, autor de filmes como "21 Gramas", "Amores Brutos" e "Três Enterros". Os dois últimos têm a realidade mexicana como tema, as tensões na gigantesca Cidade do México e os dramas da vida na fronteira entre seu país e os EUA. Leia sua entrevista à Folha. (RAUL JUSTE LORES)  

FOLHA - A nova lei imigratória dos EUA e a construção do muro vão dificultar a imigração?
GUILLERMO ARRIAGA
- Já dificultaram. Um coiote [quem ajuda a fazer a travessia] cobrava US$ 1.000, agora cobra US$ 3.000. Como a maioria dos camponeses não tem esse dinheiro, eles já chegam endividados por um bom tempo para pagar seus primeiros salários às máfias instaladas do lado de lá. Se a polícia os pega, perdem tudo.

FOLHA - A imigração não vai ser detida?
ARRIAGA
- Não. A maior tragédia mexicana é a pobreza. Continuaremos a expulsar nossos pobres. Só vai aumentar o risco de morte dessas pessoas. Ficou mais arriscado e caro. É uma relação hipócrita porque eles precisam desses trabalhadores, que revitalizam o país deles. Só que nós temos a culpa. Não deve ser fácil para os americanos. Nenhum país reagiria bem com a invasão de milhões de pessoas que não falam a sua língua. O neoliberalismo no México deixou os camponeses à deriva.

FOLHA - Ou seja, o maior problema está dentro de casa.
ARRIAGA
- Com certeza. O terceiro homem mais rico do mundo é mexicano. Temos vários na lista de bilionários. Houve uma enorme concentração de renda nos últimos anos. Uma história que os brasileiros conhecem bem.

FOLHA - Era melhor nos tempos do PRI?
ARRIAGA
- Havia muita corrupção, mas os mais pobres contavam com uma rede de proteção, de mercados que vendiam alimentos mais baratos a clínicas populares. A Revolução Mexicana teve um grande componente de justiça social. Isso acabou.

FOLHA - O sr. tem uma visão negativa do Nafta?
ARRIAGA
- Há setores que se beneficiaram, muitas mulheres conseguiram empregos nas maquiladoras, a indústria manufatureira cresceu muito. Houve trapaças dos americanos na agricultura. Mas o pior foi o fim das políticas sociais, decidido aqui, não pelo Nafta. Competitividade para os "Chicago boys" quer dizer tirar direitos e reduzir salários dos trabalhadores. Não conheço políticos ou economistas que tenham a solução para isso. A desigualdade cresce em todo o mundo, da China ao Brasil, dos EUA à Europa.

FOLHA - O sr. fez pesquisas para escrever "Três Enterros"?
ARRIAGA
- Não precisei. Desde os 12 anos, vou ao norte. Amo o deserto, tenho vários amigos camponeses. O verdadeiro Melquiades teve de imigrar, abandonar seu clima de 30C para ordenhar vacas no gelado Wisconsin. Nao sabe falar inglês, mas pôde ficar conversando com outros agricultores americanos por horas.

FOLHA - Ha vários mexicanos hoje em Hollywood, atores, cineastas e roteiristas, como o sr. A imagem dos mexicanos pode melhorar nos filmes americanos?
ARRIAGA
- Continuará péssima. Americanos não tem ferramentas para entender mexicanos. Eu escolhi o elenco mexicano do "Melquiades" ["Três Enterros"]. Há muitos preconceitos. Em "Traffic", os mexicanos são os grandes traficantes. Só que eles deixam as drogas em Laredo. Quem as leva para Nova York ou Chicago, quando o preço cresce sete vezes? Assim como cabe a nós resolver nossa pobreza para evitar a imigração, eles deveriam lutar contra o consumo. Os Melquiades Estradas preferiam viver no México, com suas famílias. (RAUL JUSTE LORES)


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