São Paulo, sábado, 02 de setembro de 2006

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Pentágono reconhece risco de guerra civil no Iraque

Karemm Raheem/Reuters
Iraquianos xiitas rezam em Bagdá; violência é a pior desde 2003


Constatação é inédita no Departamento da Defesa, que diz que situação pode ser contida

Para analistas e oposição, conflito já está deflagrado; divulgação acontece no momento em que Bush defende estratégia no país

DA REDAÇÃO

Pela primeira vez -e com algum atraso em relação a especialistas e mesmo a outros setores do governo americano- o Pentágono afirmou, em relatório divulgado ontem, que a escalada de violência entre xiitas e sunitas no Iraque pode levar o país a uma guerra civil. A constatação também marca, segundo a Defesa, uma mudança na natureza das ações no país, que não mais se restringem ao combate de uma insurgência cujo alvo eram as tropas dos EUA.
O relatório apresentado ontem foi feito a pedido do Congresso americano e analisa a situação de segurança no Iraque nos últimos três meses. No período, os ataques aumentaram 24%, para 792 por semana, e as mortes violentas saltaram 51% para uma média diária de 120.
Curiosamente, o trimestre abarca o período imediatamente posterior à morte de Abu Musab al Zarqawi, líder da Al Qaeda no país, pelas forças americanas. Zarqawi era tido como maior fomentador do conflito entre a minoria árabe-sunita -que representa pouco menos de 30% dos iraquianos e detinha o poder durante o regime de Saddam Hussein- e a maioria árabe-xiita -que perfaz mais de 60% da população e só chegou ao poder com as eleições do início deste ano, após mais de duas décadas de repressão pelo ex-ditador sunita.
O relatório também vem em momento delicado. O presidente George W. Bush acaba de lançar uma nova ofensiva retórica para defender sua estratégia no Iraque e a manutenção de seus soldados no país ante o declínio do apoio à guerra e à aproximação das eleições legislativas, em novembro.

Percepção distorcida
Além da matança generalizada e do crescimento da ação de esquadrões da morte, afirma o relatório, os dois grupos também disputam áreas-chave da capital, criam encraves sectários, desviam recursos econômicos e impõem suas pautas religiosas e políticas. Relatos de jornalistas no Iraque dão conta da expulsão de membros de uma facção pela corrente islâmica adversária de determinados povoados e regiões, alimentando o contingente de deslocados internos no país.
"Condições que podem levar a uma guerra civil existem no Iraque", afirma o documento do Pentágono, acrescentando que a violência sectária se alastra para o norte, na Província de Diyala e na região de Kirkuk, maior pólo petroleiro do país.
"Ainda assim, a violência atual não configura guerra civil, e o avanço em tal direção pode ser refreado", segue o texto, que classifica a situação de segurança como "a mais complexa desde março de 2003", quando os EUA invadiram o país.
Analistas independentes e congressistas de oposição, no entanto, discordam dessa visão. Em agosto, Kenneth Pollack e Daniel Byman, respeitados especialistas em Iraque e segurança na Brookings Institution (Washington), escreveram em artigo no jornal "The Washington Post" que não há outro nome para o presente cenário no país senão guerra civil.
No texto, evocam o risco de a violência tomar contornos regionais e atrair o envolvimento de outros países -nos moldes das guerras civis que pipocam pela África- que se alinhem mais com os xiitas (caso do Irã) ou com os sunitas (majoritários em todo o restante da região).
O líder dos democratas no Senado, Harry Reid, usou o documento do Pentágono para acusar Bush, seu vice, Dick Cheney, e o secretário da Defesa, Donald Rumsfeld de estarem "cada vez mais desconectados dos acontecimentos em campo iraquiano".
"Até o Pentágono reconhece que o Iraque está entrando em uma guerra civil", disse.


Com agências internacionais


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