São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2008

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EUA

Silêncio e preservativos

Contardo Calligaris/Folha Imagem
Preservativos com imagens de Palin, Obama e John McCain

CONTARDO CALLIGARIS

No avião de São Paulo a Nova York, na última quinta, minha vizinha (americana) pergunta: "Você está voltando para votar?". A mesma coisa se repete na chegada. Por exemplo, na sexta de manhã, passo por uma agência de meu banco, e, conversando com o gerente, ele também pergunta: "Então, voltou para votar?".
O curioso é que, nessas indagações, ninguém parece querer saber em quem votarei. Mas não é por respeito pelo segredo do voto; é que todos os meus interlocutores supõem "naturalmente" que eu vote em Obama, ainda mais voltando de longe para votar. É como se querer votar significasse querer votar em Obama.
De fato, quem está decidido a votar em McCain (e deve haver muitos) não conversa. Ao menos em Nova York, a escolha de McCain é envergonhada e silenciosa.
Ainda na sexta, decido almoçar num de meus restaurantes preferidos do Harlem, Louise Family Restaurant, na esquina da rua 121 com a Lenox Avenue (que, nesse trecho, chama-se Malcolm X Boulevard).
Quem sabe Julia (que cozinha no balcão) me reconheça, e a gente bata um papo sobre a candidatura de Obama vista do Harlem. Decepção: o restaurante está fechado. No fim de agosto, uma inspeção sanitária encontrou baratas, roedores e alimentos contaminados.
Comi várias vezes, no passado, no Louise e não fiquei doente, mal talvez tenha tido sorte.
Diante do estabelecimento fechado, penso apenas que a segunda "Harlem Renaissance", prevista desde que Bill Clinton instalou por lá seu escritório de ex-presidente, não aconteceu. Subiram os aluguéis e o custo do metro quadrado, e alguns brancos se mudaram para lá (há casas lindas nas travessas do Malcolm X Boulevard), mas o conjunto continua triste, na espera de dias melhores.
Passeio pela rua 125 e pela Lenox. Muitas lojas (óticas, cabeleireiros, farmácias, supermercados) expõem na vitrina um modesto cartaz (digamos, 50cm por 80cm), sóbrio, com apenas a inscrição "Obama 2008" ou "New York for Obama and Biden".
Na Lenox com a 117, num carrinho de cachorro-quente, o mesmo cartaz aparece com mais destaque. Com o dono do carrinho e nos estabelecimentos nos quais paro para um petisco com café tento conversar sobre as eleições. Ganho sorrisos e palavras condescendentes, mas ninguém está a fim de tocar no assunto. Mesmo quando fico na minha e escuto a conversa ao meu redor, constato que o tema é quase ausente.
Vinte blocos mais ao sul, ao redor da Universidade Columbia, é o contrário: como no avião e no banco, todos só querem falar disso.
Em suma, para a elite branca de Manhattan, votar em Obama é uma festa. Deve haver, nessa euforia, a esperança de acabar de vez com a culpa que ainda envenena as relações raciais nos Estados Unidos.
No Harlem, ao contrário, não se fala em público da eleição e de Obama talvez por superstição ou por medo de que a festa da comunidade afro-americana apareça como uma provocação e leve os brancos a pensar duas vezes. O apoio de líderes negros radicais, como Louis Farrakhan, da Nação do Islã, é muito discreto e propagandeado, justamente, pela campanha de McCain.
Sexta-feira era também Halloween; nova-iorquinos e turistas passearam em massa, mascarados, pelas ruas da cidade. Estranhei não encontrar ninguém disfarçado de Obama ou de McCain. A espécie de carnaval que é aqui o Dia das Bruxas parecia ignorar a política. Só tarde da noite, em Times Square, encontrei um homem que, vestido de palhaço, vendia preservativos "políticos", com legendas mais sutis do que pareciam à primeira vista.
Os de Palin diziam: "Quando o aborto não é uma opção, preservativos Palin; *aprovados pelas mamães do hockey" [referência às supostas mães típicas de classe média que levam os filhos para praticar esse esporte].
Os de McCain: "Velhos, mas não vencidos, preservativos McCain; *aprovados para veteranos" [de guerra].
E os de Obama: "Use com moderação, preservativos Obama; *disponíveis também em tamanho menores".


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