São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2008

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EXPECTATIVAS NO MUNDO

Por multilateralismo, Brasil quer Obama

Eliane Cantanhêde, colunista da Folha


Aposta é que democrata favorecerá reforma na ONU, embora seja pior para álcool do país

A "onda" Obama chegou ao Brasil: Planalto, Itamaraty e arredores torcem pela vitória do candidato democrata, com a perspectiva de "transformações" na economia e na desastrada política externa de George W. Bush, marcadas pela maior crise mundial em décadas e pela invasão do Iraque à revelia das Nações Unidas.
"Tanto Obama quanto McCain passam ao mundo uma mensagem de transformação. Há uma percepção do establishment americano de que as políticas do governo Bush precisam ser revisadas para assegurar a defesa dos interesses dos EUA no mundo", diz o embaixador Everton Vieira Vargas, subsecretário geral do Itamaraty para assuntos políticos.
A torcida por Obama tem uma diferença para o resto do mundo: o governo Lula não tem do que reclamar da era Bush, nem do que se preocupar com o republicano John McCain. Bush prestigiou o Brasil e ignorou completamente a América do Sul.
Isso resultou em que nunca antes o Brasil teve tanta desenvoltura para exercitar a sua decantada "liderança natural", inclusive sua responsabilidade em garantir o equilíbrio com os "esquerdistas" Venezuela, Bolívia e Equador, sem pressão e até sem a presença de Washington. Vença Obama ou McCain, isso não deve mudar.
O que deve mudar, e muito, é a forma de os EUA se relacionarem com o resto do mundo. Para o Planalto e o Itamaraty, o fato de Obama ser negro e ter vivido na Indonésia é um fator "importantíssimo" e um "choque cultural", como diz Vargas.
"A presença de um candidato afro-americano é um fenômeno novo que caracteriza bem a evolução social dos EUA. Aliás, a eleição seria ímpar em qualquer hipótese, com um negro ou uma mulher concorrendo pelos democratas."
Obama, avaliam outros diplomatas e assessores, terá mais condições que McCain de dar uma "dimensão ideológica" à crise, pois mostrou consciência de que os EUA não podem mais agir unilateralmente.
Duas conseqüências convêm ao Brasil: uma política externa mais aberta e a integração dos "emergentes" ao processo decisório mundial.
Os EUA precisarão dividir mais o poder nos foros internacionais, o que pode facilitar a retomada das negociações da Rodada Doha de comércio e refletir na atuação e no equilíbrio das Nações Unidas.
A Folha teve acesso a um quadro que o Itamaraty produziu comparando as posições de Obama e McCain em nove temas, de política externa e Irã a energia e América Latina.
Na política externa, os EUA, com Obama, "devem acrescentar novas alianças, com países asiáticos e novas potências emergentes, entre as quais Brasil, Índia, Nigéria e África do Sul". Esses países passarão a ter maior "papel no fortalecimento da ordem internacional" e na reforma da ONU.
Já com McCain, a prioridade seria a segurança contra "as forças do extremismo". Para isso, ele criaria a "Liga das Democracias", pronta para entrar em ação "quando a ONU falha".
Isso é o oposto do que defende governo brasileiro, que quer o fortalecimento da ONU e a ampliação dos membros efetivos do Conselho de Segurança.
O futuro presidente dos EUA toma posse no dia 20 de janeiro. A data-limite para o início das negociações sobre a reforma do conselho é 28 de fevereiro. O sonho brasileiro é que haja novidades já aí.
No caso de energia, a comparação aponta duas posições de McCain que agradam o Brasil: "defende a importação de álcool e o fim dos subsídios para a sua produção a partir do milho" e "acenou com a revisão da tarifa secundária sobre o álcool brasileiro".
Já Obama apresentou programa de US$ 150 bilhões no desenvolvimento de energias alternativas. O que pode deixar em segundo plano os acordos com o álcool brasileiro.
O biocombustível continuará puxando a agenda bilateral, mas o Planalto acha que, se o novo presidente deixar como está, já fica de bom tamanho. O comércio Brasil-EUA cresceu 12% de 2006 para 2007. E as exportações brasileiras para o país aumentaram 8,1% no primeiro semestre de 2008.
O Brasil é o maior receptor de investimentos americanos na América do Sul, e os EUA são o maior investidor estrangeiro no Brasil. Nos últimos dez anos, o total investido dobrou, e as empresas brasileiras também se tornaram investidoras nos EUA.


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