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ANÁLISE
Operação vira guerra de "George W. Obama"
DE WASHINGTON
Para um presidente que se
elegeu com uma plataforma do
diálogo se sobrepondo ao conflito, Barack Obama montou
uma estratégia que lembra
muito a que seu antecessor
usou para avançar em outra
guerra, a do Iraque. Nesse sentido, as metas do democrata para o Afeganistão anunciadas
ontem bebem no "surge" ("aumento repentino" em tradução
aproximada do inglês) de 2007
de George W. Bush.
Os pontos de semelhança estão na cobrança de engajamento maior dos locais para que a
intervenção americana seja
bem-sucedida, como a formação de forças militar e policial
afegãs dignas do nome. Estão
também na aliança sugerida
entre a parte mais disposta a
colaborar entre os adversários
-no caso bushista-iraquiano,
com os xeques sunitas, no que
ficou conhecido como "Despertar de Anbar"; no caso obamista-afegão, com o baixo-clero do
Taleban; em ambos, com pagamentos envolvidos.
Obama também ressalta a
necessidade de os aliados americanos da Otan participarem
da sua versão de "surge". A legitimidade dada por um envolvimento maior da comunidade
internacional nos conflitos, sobretudo dos membros da Otan,
era uma das peças da estratégia
bushista, embora nem sempre
bem-sucedida.
Por fim, não foi por acaso que
Obama fez seu pronunciamento na academia militar de West
Point, um dos palcos preferidos
de seu antecessor, onde em
2002 o republicano explicitou
os preceitos do que viria a ser
conhecido como Doutrina
Bush, principalmente o conceito de guerra preventiva. Foi a
estreia ali do democrata, que
até agora vinha preferindo o
Salão Leste da Casa Branca para pronunciamentos, seguidos
de entrevistas coletivas.
As semelhanças não compraram a simpatia do falcão-mór
da administração anterior, o
ex-vice-presidente Dick Cheney. Ontem, mesmo antes do
discurso, ele disse que anunciar
uma data de saída projetava
"fraqueza" de Obama. O cidadão afegão médio, disse o republicano, "ouve conversas sobre
estratégia de saída e sobre quão
logo podemos cair fora, em vez
de conversas sobre como podemos ganhar".
"Essas pessoas começam a
procurar maneiras de conviver
com seus inimigos", disse ele ao
site "Politico". "Eles ficam
preocupados com o fato de os
EUA não estarem por lá por
muito mais tempo, e sabem que
seus inimigos vão estar."
Diferenças
Dito isso, há diferenças entre
os dois comandantes em chefe,
e elas não são pequenas. Por
exemplo: Obama faz questão de
lembrar aos americanos que
guerras custam dinheiro, e que
esse dinheiro tem de ser pago
com os impostos dos americanos ou com papagaios do Tesouro vendidos aos chineses.
Nos cálculos do diretor de Orçamento e Gestão da Casa
Branca, Peter Orszag, cada soldado a mais equivale a um gasto
de cerca de US$ 1 milhão/ano.
A presença dele nas reuniões
do alto comando da guerra é
outra novidade obamista, um
contraponto destinado a lembrar aos presentes e à imprensa
que a administração democrata
tem de se equilibrar na linha tênue entre os falcões (pró-guerra), os pombos (pró-diplomacia) e o homem da calculadora
(Orszag). Bush evitava mencionar custos em seus pronunciamentos bélicos.
Também ficaram de fora do
discurso noções como implantação da democracia, uma das
metas centrais de Bush, que
acreditava no efeito dominó,
em que um país democrático
segundo os padrões ocidentais
"contaminaria" os outros da região. Nesse sentido, a missão de
Obama parece mais realista.
Por fim, diferentemente de
Bush, Obama trabalha com um
prazo para iniciar a saída do
Afeganistão: a partir de julho de
2011. A retirada acontecerá depois de o grosso das tropas em
ação hoje no Iraque também já
terem sido recolhidas. Se ambas as promessas forem cumpridas -e o histórico obamista
nesse quesito até agora não tem
sido animador-, o democrata
poderá tirar seu Nobel da Paz
da gaveta.
(SD)
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