São Paulo, quarta-feira, 02 de dezembro de 2009

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ANÁLISE

Operação vira guerra de "George W. Obama"

DE WASHINGTON

Para um presidente que se elegeu com uma plataforma do diálogo se sobrepondo ao conflito, Barack Obama montou uma estratégia que lembra muito a que seu antecessor usou para avançar em outra guerra, a do Iraque. Nesse sentido, as metas do democrata para o Afeganistão anunciadas ontem bebem no "surge" ("aumento repentino" em tradução aproximada do inglês) de 2007 de George W. Bush.
Os pontos de semelhança estão na cobrança de engajamento maior dos locais para que a intervenção americana seja bem-sucedida, como a formação de forças militar e policial afegãs dignas do nome. Estão também na aliança sugerida entre a parte mais disposta a colaborar entre os adversários -no caso bushista-iraquiano, com os xeques sunitas, no que ficou conhecido como "Despertar de Anbar"; no caso obamista-afegão, com o baixo-clero do Taleban; em ambos, com pagamentos envolvidos.
Obama também ressalta a necessidade de os aliados americanos da Otan participarem da sua versão de "surge". A legitimidade dada por um envolvimento maior da comunidade internacional nos conflitos, sobretudo dos membros da Otan, era uma das peças da estratégia bushista, embora nem sempre bem-sucedida.
Por fim, não foi por acaso que Obama fez seu pronunciamento na academia militar de West Point, um dos palcos preferidos de seu antecessor, onde em 2002 o republicano explicitou os preceitos do que viria a ser conhecido como Doutrina Bush, principalmente o conceito de guerra preventiva. Foi a estreia ali do democrata, que até agora vinha preferindo o Salão Leste da Casa Branca para pronunciamentos, seguidos de entrevistas coletivas.
As semelhanças não compraram a simpatia do falcão-mór da administração anterior, o ex-vice-presidente Dick Cheney. Ontem, mesmo antes do discurso, ele disse que anunciar uma data de saída projetava "fraqueza" de Obama. O cidadão afegão médio, disse o republicano, "ouve conversas sobre estratégia de saída e sobre quão logo podemos cair fora, em vez de conversas sobre como podemos ganhar".
"Essas pessoas começam a procurar maneiras de conviver com seus inimigos", disse ele ao site "Politico". "Eles ficam preocupados com o fato de os EUA não estarem por lá por muito mais tempo, e sabem que seus inimigos vão estar."

Diferenças
Dito isso, há diferenças entre os dois comandantes em chefe, e elas não são pequenas. Por exemplo: Obama faz questão de lembrar aos americanos que guerras custam dinheiro, e que esse dinheiro tem de ser pago com os impostos dos americanos ou com papagaios do Tesouro vendidos aos chineses. Nos cálculos do diretor de Orçamento e Gestão da Casa Branca, Peter Orszag, cada soldado a mais equivale a um gasto de cerca de US$ 1 milhão/ano.
A presença dele nas reuniões do alto comando da guerra é outra novidade obamista, um contraponto destinado a lembrar aos presentes e à imprensa que a administração democrata tem de se equilibrar na linha tênue entre os falcões (pró-guerra), os pombos (pró-diplomacia) e o homem da calculadora (Orszag). Bush evitava mencionar custos em seus pronunciamentos bélicos.
Também ficaram de fora do discurso noções como implantação da democracia, uma das metas centrais de Bush, que acreditava no efeito dominó, em que um país democrático segundo os padrões ocidentais "contaminaria" os outros da região. Nesse sentido, a missão de Obama parece mais realista.
Por fim, diferentemente de Bush, Obama trabalha com um prazo para iniciar a saída do Afeganistão: a partir de julho de 2011. A retirada acontecerá depois de o grosso das tropas em ação hoje no Iraque também já terem sido recolhidas. Se ambas as promessas forem cumpridas -e o histórico obamista nesse quesito até agora não tem sido animador-, o democrata poderá tirar seu Nobel da Paz da gaveta. (SD)


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