São Paulo, domingo, 03 de janeiro de 2010

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Garimpeiros se arriscam na Guiana Francesa

Vizinha, a última possessão ultramarina da América do Sul possui garimpos melhores, mas proíbe extração brasileira

Se são pegos pelos policiais franceses, ilegais brasileiros perdem tudo; ter filhos no país, porém, é chance de obter a cidadania europeia

DOS ENVIADOS A BENZDORP

É uma cena comum. Brasileiros que moram na comunidade de Benzdorp, no Suriname, apontam para seus filhos pequenos e repetem com orgulho: "É francesinho". São elas, crianças nascidas nos hospitais da Guiana Francesa, do outro lado do rio Maroni, que poderão abrir as portas da União Europeia para seus pais.
São menos de 500 metros nas águas quentes e tranquilas do rio, atravessados em canoas a motor em menos de dez minutos, e chegamos ao que os locais denominam simplesmente de "a França".
Tecnicamente, nada mais correto: a Guiana Francesa, última possessão ultramarina da América do Sul, é território soberano francês.
A relação dos garimpeiros com "a França", porém, é ambivalente. É um esporte local dizer cobras e lagartos dos gendarmes, a polícia francesa, que proíbe os brasileiros de garimpar livremente no território.
O garimpo na Guiana Francesa é considerado mais promissor do que o no Suriname, e por isso vários brasileiros se aventuram pela mata.
Mas são ilegais. Quando são pegos, ficam sem nada: ouro, barco, máquinas e motos, que são queimados no ato ou levados para leilões em Caiena, a capital do Departamento.
A Folha testemunhou o ato de apreensão de um motociclo com tração 4x4 de um garimpeiro brasileiro pela polícia francesa no porto da cidade de Maripasoula, a principal da região da Guiana Francesa. Cerca de dez policiais carregavam o veículo em uma canoa.
"É só a gente começar a arrumar uma condição de vida melhor que eles [os gendarmes] te jogam na lona de novo", diz José Araújo Melo, 42.
Canoeiros locais se especializam em encontrar caminhos no rio e na mata para evitar patrulhas de franceses. Uma rede de comunicação por rádio entre brasileiros se formou, ligando vários pontos do garimpo.
Também há dificuldades legais para os brasileiros entrarem e circularem livremente pelo território, embora a fiscalização mal seja feita. A reportagem da Folha pegou uma canoa no povoado de Nouveau Wacapou, na margem francesa, passou meia hora no local e voltou para o Suriname sem ser incomodada.
Mas os franceses abrem uma importante exceção. Deixam mulheres brasileiras grávidas irem ao hospital de Maripasoula, a meia hora de canoa de Benzdorp, para terem seus bebês -em alguns casos, até para fazer exames pré-natal.
Há ainda uma certa tolerância no atendimento a doentes.

Chance de cidadania
Se no garimpo do lado do Suriname a estrutura de saúde é precária, no lado francês há uma unidade bem equipada. "O hospital de lá não tem comparação... eles têm especialistas em tudo", diz Ozeias Carneiro, 25, pai de Ana Carolina, 1.
As crianças recebem um carnê de saúde do governo francês e podem retornar para vacinas.
Como nasceram na Guiana Francesa, podem requerer cidadania francesa, um trâmite que geralmente é feito pela Embaixada do Brasil em Paramaribo, que encaminha a documentação às autoridades em Caiena.
Os "francesinhos" também terão direito de estudar nas escolas do lado da Guiana Francesa, consideradas melhores, e poderão nesses casos estar acompanhadas dos pais. "Se eu tiver três ou quatro filhos estudando lá, o governo não poderá me tirar", afirma Carneiro.
Mais ao norte, a cidade de Saint Laurent é o outro local popular para ter filhos. Fica em frente a Albina, no Suriname, onde ocorreu o ataque aos garimpeiros na véspera de Natal. Pais que tiveram seus bebês lá agora tem medo de voltar para vacinar seus filhos. (FÁBIO ZANINI e AYRTON VIGNOLA)


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