São Paulo, domingo, 03 de janeiro de 2010

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"Se ficasse no Brasil, ia morrer de fome", afirma ex-doméstica

DOS ENVIADOS A BENZDORP

Relatos de garimpeiros brasileiros em Benzdorp têm duas partes. Primeira: a vida é difícil e perigosa, e é doído estar longe de casa. Segunda: ninguém quer ir embora.
É uma narrativa repetida por um exército vindo do Norte e do Nordeste do Brasil. Paraenses e maranhenses são maioria, seguidos por amazonenses, amapaenses, tocantinenses, roraimenses e piauienses.
A maioria tem perfil "conservador": mora em vilas, tem documentação regularizada e presta serviços para empresas que têm concessão para explorar determinadas áreas.
Mas há os "arrojados", que se embrenham de maneira autônoma na Guiana Francesa (onde se diz que o filão de ouro é melhor) e não precisam pagar impostos sobre o que encontram. São ilegais e constantemente perseguidos pela Gendarmerie, a polícia francesa.
Todos dizem que no Brasil jamais ganhariam o que ganham no garimpo. "Consigo mandar sempre pelo menos R$ 1.500 por mês para meus quatro filhos em Boa Vista", diz Francisco dos Santos Silva, 44, que explora uma área em regime de concessão no Suriname. Os concessionários precisam pagar 12,5% de imposto sobre o ouro que encontram.
"No Brasil, eu ia morrer de fome", diz a mulher de Francisco, Alda da Costa, que era empregada doméstica em Bucajaí (Roraima) antes de chegar a Benzdorp há três anos.
Num mês bom, um garimpeiro recolhe até 400 gramas de ouro, algo como R$ 22 mil. "Os brasileiros reclamam, mas vivem bem demais aqui em termos materiais, na comparação com o que teriam no Brasil", diz o pastor Osmar Abimael, da Assembleia de Deus.
O problema é que há meses bons, mas também os ruins, em que a produção é pífia. "Garimpo é loteria", diz José Araújo Melo, 42, de Pedreira (Maranhão), repetindo um bordão dos garimpeiros locais. Mesmo quem dá azar não desiste. Endivida-se e continua procurando.
Os custos são altos. É preciso comprar óleo, combustível e peças de reposição para o maquinário que escava a terra em busca do pó amarelo brilhante -pepitas são raras.

Domínio brasileiro
Mesmo quem não é garimpeiro depende de alguma forma do giro econômico da atividade. Brasileiros são os donos de restaurantes, os mototaxistas, os pastores, os canoeiros e parte dos comerciantes (há concorrência dos chineses). Brasileiras são as prostitutas.
"Minha renda no Brasil era de R$ 3.000 por ano. Aqui, passa de R$ 10 mil a R$ 15 mil", diz o maranhense Raimundo Froes Filho, de Santa Helena.
Mesmo entre os que estão na periferia da economia garimpeira é comum ver dentes ou brincos de ouro. Alguns canoeiros (que levam garimpeiros pelo rio Maroni) usam correntes avaliadas em R$ 1.500.
O outro lado da moeda é uma vida tensa e insalubre. Muitos têm depressão por estarem longe do Brasil. Outros se tornam alcoólatras e dependentes de crack. Para os que se aventuram pelo mato, a malária é um problema, mas de meter medo mesmo é a leishmaniose, ou "leche". "E uma bactéria comedora de carne", diz Pedro Lobato, 38, exibindo uma grande ferida no ombro direito. (FZ E AV)


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