|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Se ficasse no Brasil, ia morrer de fome", afirma ex-doméstica
DOS ENVIADOS A BENZDORP
Relatos de garimpeiros brasileiros em Benzdorp têm duas
partes. Primeira: a vida é difícil
e perigosa, e é doído estar longe
de casa. Segunda: ninguém
quer ir embora.
É uma narrativa repetida por
um exército vindo do Norte e
do Nordeste do Brasil. Paraenses e maranhenses são maioria,
seguidos por amazonenses,
amapaenses, tocantinenses, roraimenses e piauienses.
A maioria tem perfil "conservador": mora em vilas, tem documentação regularizada e
presta serviços para empresas
que têm concessão para explorar determinadas áreas.
Mas há os "arrojados", que se
embrenham de maneira autônoma na Guiana Francesa (onde se diz que o filão de ouro é
melhor) e não precisam pagar
impostos sobre o que encontram. São ilegais e constantemente perseguidos pela Gendarmerie, a polícia francesa.
Todos dizem que no Brasil jamais ganhariam o que ganham
no garimpo. "Consigo mandar
sempre pelo menos R$ 1.500
por mês para meus quatro filhos em Boa Vista", diz Francisco dos Santos Silva, 44, que explora uma área em regime de
concessão no Suriname. Os
concessionários precisam pagar 12,5% de imposto sobre o
ouro que encontram.
"No Brasil, eu ia morrer de
fome", diz a mulher de Francisco, Alda da Costa, que era empregada doméstica em Bucajaí
(Roraima) antes de chegar a
Benzdorp há três anos.
Num mês bom, um garimpeiro recolhe até 400 gramas de
ouro, algo como R$ 22 mil. "Os
brasileiros reclamam, mas vivem bem demais aqui em termos materiais, na comparação
com o que teriam no Brasil", diz
o pastor Osmar Abimael, da Assembleia de Deus.
O problema é que há meses
bons, mas também os ruins, em
que a produção é pífia. "Garimpo é loteria", diz José Araújo
Melo, 42, de Pedreira (Maranhão), repetindo um bordão
dos garimpeiros locais. Mesmo
quem dá azar não desiste. Endivida-se e continua procurando.
Os custos são altos. É preciso
comprar óleo, combustível e
peças de reposição para o maquinário que escava a terra em
busca do pó amarelo brilhante
-pepitas são raras.
Domínio brasileiro
Mesmo quem não é garimpeiro depende de alguma forma do giro econômico da atividade. Brasileiros são os donos
de restaurantes, os mototaxistas, os pastores, os canoeiros e
parte dos comerciantes (há
concorrência dos chineses).
Brasileiras são as prostitutas.
"Minha renda no Brasil era
de R$ 3.000 por ano. Aqui, passa de R$ 10 mil a R$ 15 mil", diz
o maranhense Raimundo
Froes Filho, de Santa Helena.
Mesmo entre os que estão na
periferia da economia garimpeira é comum ver dentes ou
brincos de ouro. Alguns canoeiros (que levam garimpeiros pelo rio Maroni) usam correntes
avaliadas em R$ 1.500.
O outro lado da moeda é uma
vida tensa e insalubre. Muitos
têm depressão por estarem
longe do Brasil. Outros se tornam alcoólatras e dependentes
de crack. Para os que se aventuram pelo mato, a malária é um
problema, mas de meter medo
mesmo é a leishmaniose, ou
"leche". "E uma bactéria comedora de carne", diz Pedro Lobato, 38, exibindo uma grande ferida no ombro direito.
(FZ E AV)
Texto Anterior: Garimpeiros se arriscam na Guiana Francesa Próximo Texto: Crack vale mais que ouro em garimpos isolados Índice
|