São Paulo, sábado, 03 de abril de 2004

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SAÚDE

Grupo diz que 67% das senegalesas usam produto para clarear a pele e seguir a moda ocidental, sem atentar para riscos médicos

Branqueamento de africanas cresce, diz ONG

Pius Utomi Ekpei - Arquivo/France Presse
Modelos exibem roupas de estilo africano durante desfile de moda de grifes locais na Nigéria


ANA CARBAJOSA
DO ""EL PAÍS"

Branquear-se é a obsessão de milhões de africanas que, diariamente, untam a pele com produtos abrasivos para tornar-se um pouco menos negras, para ascender na hierarquia social e alcançar seu objetivo final: tornar-se mais desejáveis, agradar mais e aumentar sua própria auto-estima.
Nessa corrida em direção ao triunfo social, elas perdem melanina e contraem doenças de pele que vão desde queimaduras, estrias e acne até alergias e mesmo câncer de pele. É um fenômeno presente em parte da África, sendo descrito por alguns estudiosos como o ""trauma pós-colonial".
A prática não é nova -começou no final dos anos 60-, mas os números não param de crescer, e, nos últimos anos, alcançaram níveis preocupantes, segundo a Associação Internacional de Informação sobre a Despigmentação Artificial (Aiida), presente no Senegal, na França e em Mali.
Hoje, diz a entidade, 67% das mulheres senegalesas despigmentam sua pele. Em Togo, 58% o fazem, e, em Mali, 25%.
Muitas mulheres definem sem hesitação por que o fazem: ""Eles preferem as brancas", diz uma adolescente senegalesa, sobre os motivos que a levaram a lesionar o próprio corpo.
O desconhecimento dos efeitos nocivos desses produtos se encarrega do resto. O uso de cremes para despigmentar a pele é o maior motivo de hospitalização dermatológica no Senegal. Entre as mulheres internadas, metade apresenta lesões irreversíveis. As mulheres tampouco sabem que, ao despigmentar-se, elas vão progressivamente eliminando a melanina de sua pele, acabando com seu sistema imunológico e deixando seus corpos indefesos diante do sol africano.

O "khessal" dos pobres
"Khessal" é o nome genérico dado em alguns países aos produtos que clareiam a pele. Há 117 marcas no mercado. Eles custam até R$ 43 cada e são vendidos em qualquer loja de esquina em centenas de cidades.
São aplicados duas vezes ao dia, e o ideal é untar o corpo inteiro para que a descoloração se processe por igual. É caro para países como o Senegal, onde 68% da população vive com menos de R$ 7 por dia.
Por esse motivo, a maioria das usuárias acaba optando pelo chamado ""khessal dos pobres", imitação do original fabricado com ungüentos elaborados por curandeiros e misturados com detergentes e todo tipo de produtos conhecidos como ""descamadores", entre eles ácidos e alvejantes como a lixívia.
Os efeitos secundários do uso e o abuso desses produtos são devastadores. ""O mais freqüente é que apareçam manchas negras hiperpigmentadas e endurecidas nas costas ou no rosto, irreversíveis, e também que nasçam estrias em áreas que normalmente não as apresentam, como no rosto ou nos braços. Mas o maior perigo é o das infecções e o do câncer de pele, relativamente freqüente na Europa, mas muito raro na África, onde a pele negra possui muito mais proteção natural", diz o dermatologista Bassirou Ndiaye, da Aiida. A ONG quer que a Organização Mundial de Saúde considere o uso do "khessal" um problema de saúde.
Uma das medidas propostas pelos médicos é a proibição de importação desses cremes. A medida foi adotada por alguns países, entre eles Gâmbia, onde a proibição, decretada em 1995, já surtiu algum efeito.
Mas médicos e ativistas sabem que proibir é uma medida necessária, porém não suficiente por si só. Eles sabem que pouco poderá ser feito enquanto não mudarem os modelos de beleza e não aumentar a auto-aceitação das mulheres.
A elite de Gâmbia é adepta dos cremes descolorantes, e especialistas afirmam que, enquanto isso não mudar, as gambianas pobres vão procurar o mercado clandestino para encontrar os cremes.

Tradução de Clara Allain


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