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ENTREVISTA
O conservador Niall Ferguson compara o cenário político e econômico atual com o anterior à Primeira Guerra
Historiador vê risco de "desglobalização"
PEDRO DIAS LEITE
DE NOVA YORK
Ahmad al Rubaye/France Presse
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Peregrinos muçulmanos xiitas aparecem refletidos em espelhos em pátio de santuário na cidade sagrada de Karbala, sul do Iraque |
O mundo, tal como nós conhecemos hoje, está ameaçado. As
condições para uma brusca e trágica "desglobalização" estão todas colocadas. A economia americana depende perigosamente do
capital estrangeiro, e um pequeno
incidente político ou militar pode
tomar grandes proporções, que
varreriam do mapa a globalização
dos últimos tempos.
Quem traça o cenário não é nenhum militante antiglobalização,
mas Niall Ferguson, 40, conservador professor de história de Harvard que virou o "darling" de parte da direita americana.
Ferguson argumenta que, assim
como a "primeira era da globalização" sofreu um violento revés
com a Primeira Guerra, hoje, 90
anos depois, o planeta está mais
sujeito do que nunca a uma desglobalização, talvez ainda mais
violenta que a primeira.
Para o professor, todas as condições que levaram aos eventos de
1914-18 permanecem hoje em dia,
com personagens diferentes, mas
com o mesmo roteiro: os EUA são
o Reino Unido, Osama bin Laden
é o novo Lênin (sem o controle de
um Estado, ainda), Taiwan representaria a Bélgica (um pequeno
país que acaba provocando uma
luta entre grandes) e a Coréia do
Norte, a Bósnia.
Na entrevista à Folha, por telefone, refuta semelhanças com os
argumentos da esquerda antiglobalizante. "Eles são estúpidos."
Folha - Em artigo na "Foreign Affairs", o sr. diz que a globalização
está ameaçada e que estamos num
cenário muito parecido com o de
antes da Primeira Guerra. Por quê?
Niall Ferguson - No período antes de 1914, havia muitas tendências a que estamos acostumados
hoje. A mais óbvia é a globalização econômica. Você pode falar
do período de 1880 a 1914 como a
primeira era da globalização. Então o primeiro ponto é que já estivemos aqui antes, já experimentamos a globalização, e ela terminou tragicamente, com a eclosão
da Primeira Guerra.
Depois de 1914, a integração global sofreu um enorme revés. E a
questão é: isso poderia acontecer
de novo? No meu texto, eu tento
lembrar que a possibilidade de
um desastre político levar a uma
desglobalização é real. E eu particularmente sugeri a possibilidade
de um grande conflito em torno
de um pequeno país.
Folha - Como Taiwan?
Ferguson - É plausível.
Folha - Em seu artigo o sr. parece
elencar os problemas econômicos,
em especial o déficit americano,
como principal motivo para uma
crise.
Ferguson - Um dos meus pontos
é que há diferenças entre a nossa
era da globalização e a que houve
até 1914. A mais importante é que,
então, a potência dominante, o
Império Britânico, era exportadora. Hoje, os EUA importam. Isso é
muito diferente. O potencial para
uma crise econômica na nossa era
pode ser ainda maior, em um sentido estritamente econômico. Você pode imaginar como um conflito político na Ásia, como em
Taiwan ou na Coréia do Norte,
poderia ter efeitos econômicos
enormes. Hoje, quando você analisa as finanças dos EUA, há déficits em conta corrente, provocados por emprestar, entre outros,
da China. Então conflitos políticos, digamos em torno de Taiwan,
podem afetar muito diretamente
a estabilidade econômica, devido
a esse déficit.
Folha - Mas a China e os outros
países asiáticos também não são
muito dependentes dos EUA? Não
seria tão ruim para eles, ou até
pior, quanto para os EUA?
Ferguson - As crises militares
são ruins para todos. Não era bom
para o Reino Unido e para Alemanha ir à guerra em 1914, mas eles
foram. Foi desastroso para todas
as economias. Isso não é um argumento. É como dizer que, se for
ruim para eles, eles não farão. Se
fosse assim, nunca haveria guerra.
Folha - Então, se a crise vier, será
antes militar que econômica?
Ferguson - Acho que sim. Um
dos meus pontos-chave é que essa
relação entre os EUA e a Ásia é
instável neste momento. Você
tem de se perguntar o que pode
mudar. E parece
ser o choque provocado por um
evento inesperado
que desestabilize
os mercados financeiros. Então
pensamos nos
eventos de 1914. A
crise política da
Bósnia e da Bélgica provocou um
grande conflito e
fechou todos os
mercados financeiros ao redor do
planeta.
E, do mesmo
modo, uma grande crise política
hoje poderia ser
provocada por um ataque terrorista, afinal de contas a guerra de
1914 começou com um atentado
[o assassinato do arquiduque austríaco, Francisco Ferdinando]. Ou
poderia ser um conflito na Ásia,
não sabemos.
Folha - E essa crise financeira, sozinha, poderia originar uma desglobalização?
Ferguson - Não necessariamente, porque obviamente há todos
os tipos de forças envolvidas. Como em 1914, não foram só os mercados financeiros, havia outras
forças além da crise econômica
que se revelaram, como o ato terrorista. Aqui, o
protecionismo é
muito importante. Achamos que
os governos resistiriam a pressões
protecionistas se
houvesse uma crise, mas eu não
confiaria nisso.
Toda vez que assisto a Lou Dobbs
[um comentarista
ultraconservador
que tem um programa diário na
CNN, às 18h], tenho essa confirmação. É perturbador. Se ele estivesse na Fox,
acharia tudo bem,
mas na CNN, toda
noite, falando sobre os empregos
dos americanos, os imigrantes, é
exatamente o tipo de sentimento
que se revela em meio a uma crise,
que poderia quebrar uma integração, desencadear uma desglobalização, restrições ao livre comércio, ao fluxo de capitais. Então poderia haver um retrocesso agora
no livre comércio, na livre migração? Sim. Na Europa, isso é discutido o tempo todo.
Folha - Esse argumento da desglobalização é muito usado pela
esquerda, só que visto como positivo. Como o senhor, um conservador, vê seu argumento sendo usado pela esquerda?
Ferguson - Eles são estúpidos. A
última vez em que a desglobalização ocorreu foi trágico. As pessoas que se intitulam como antiglobalização basicamente não entendem de economia. É difícil debater com essa gente, eles não entendem as vantagens do livre comércio, não entendem que os países pobres precisam de dinheiro
das nações ricas, não entendem o
básico, não leram nem "A Riqueza das Nações", de Adam Smith.
Então, quando as pessoas dizem
"que ótimo seria uma desglobalização", eu respondo: cuidado
com o que você deseja, porque
você pode receber. Depois de passar por uma Grande Depressão,
venha conversar sobre o que você
acha da desglobalização.
Folha - E a comparação que o sr.
faz de Bin Laden e Lênin, como
guerreiros antiglobalização, até
que ponto pode ser levada?
Ferguson - Obviamente, Bin Laden não está no comando de uma
grande potência. Se ele estivesse
no controle da Arábia Saudita,
acho que esse paralelo seria simplesmente perfeito. Então, no momento, ele está como Lênin em
1907, 1908. Os bolcheviques tiveram seu grande primeiro sucesso
em 1905. Acho que Bin Laden não
teve tanto sucesso no 11 de Setembro, mas a questão é se Bin Laden
pode conseguir o que Lênin conseguiu, tomar o poder e fazer uma
revolução no Oriente Médio. O
meu ponto é que eles são muito
mais próximos do que as pessoas
se dão conta.
Folha - Hoje em dia há muito mais
mecanismos de defesa contra crises do que antes da Primeira Guerra Mundial. Houve o 11 de Setembro, e os mercados não quebraram.
Os EUA têm duas guerras em andamento, existem problemas com o
Irã, mas as barreiras são muito
mais sofisticadas do que há 90
anos. Seu argumento não é um
pouco catastrofista?
Ferguson - Não sou catastrofista,
porque digo que existe uma pequena possibilidade de isso acontecer, mas não significa que desastres não aconteçam. O tsunami na
Ásia deveria nos lembrar de que
eventos de pequena probabilidade ainda assim são desastres
quando acontecem.
Então meu argumento não é
que vai acontecer amanhã, ou na
próxima semana, ou no próximo
ano. É só um cenário possível.
Gostaria de colocar como 1% a
possibilidade de uma desglobalização, mas deve estar mais próximo de 10%. Estar ciente de que catástrofes acontecem não faz de
você um catastrofista, faz de você
um realista. Pessoas que pensam
que isso não vai acontecer só porque inventamos a internet são ingênuas. Nada mudou na estabilidade global em razão da internet,
ela poderia ser destruída hoje por
um vírus qualquer. Francamente,
acho que é só questão de tempo
até que a rede toda caia.
Folha - No seu último livro ["Colossus: The Rise and Fall of the
American Empire" (colosso: ascensão e queda do império americano)], o sr. falou que os EUA deveriam atuar como um império, porque eles já são um império. Agora o
país está agindo como tal. Esse pode ser um dos fatores para evitar
uma desglobalização?
Ferguson - Acho natural que eles
entendam a natureza do seu poder imperial, mas como os britânicos descobriram em 1914, você
pode ter maior império do mundo, sem conseguir impedir um rival de começar um problema militar. Acho que não devemos exagerar no que os EUA podem conseguir como um império. Seus limites são muito reais. O sucesso
da política externa americana
agora no Oriente Médio pode
desmoronar muito rapidamente.
Não há uma base sólida.
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