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Papado de 27 anos mudou relação entre igreja e mídia
HENRI TINCQ
DO "LE MONDE"
Nos últimos dois meses até sua
morte, ontem, o mundo esteve saturado de informações sobre a
saúde do papa, suas hospitalizações, suas aparições na janela do
Vaticano. Ninguém mais ignora
os episódios de sua doença nem
sua máscara de sofrimento. Seu
rosto é examinado com atenção,
dissecado pelas teleobjetivas. Câmeras e computadores não lhe
deram descanso. Cada etapa do
combate que ele travou contra a
doença soou como os minutos de
uma contagem regressiva.
O pior é que cada aparição de
João Paulo 2º para tentar quebrar
esse ciclo infernal e tranqüilizar
seus féis, para mostrar que o homem que sofria sentia as dores de
um mundo doente e violento
-era esse o sentido da última
mensagem pascal, que passou desapercebido-, se voltou contra
ele.
O papa, cujas realizações e cuja
determinação patética são elogiadas por todos, se tornou vítima de
uma política de comunicação demente. Uma política que data de
mais de um quarto de século e que
tentou fazer desse ator nato, carismático até não mais poder, homem de teatro desde sua juventude, o "pastor" universal do planeta, a boa consciência de um mundo imoral.
Deixemos o mito de lado. Essa
mediatização extrema não foi
concebida por alguns prelados
megalomaníacos. Mas nada foi
feito no Vaticano diante da excepcional popularidade desse homem, indômito enganador da
morte (um atentado, doenças, sete internações hospitalares), para
tentar frear essa corrida infernal
de globalização da imagem do papa, com suas vantagens e as impressões ambivalentes criadas
nos dias de hoje.
Desde o início de seu pontificado, não faltaram questionamentos sobre a organização teatral e o
custo das viagens de João Paulo
2º, seu impacto real, os riscos de
aparente aproximação com políticos locais (por exemplo, o aperto de mão com o ex-ditador Pinochet em Santiago, em 1987).
Mas também a confusão em
torno da função de um papa que,
para os protestantes e para os ortodoxos (e até mesmo para a teologia católica tradicional), não
passa de bispo de Roma -o primeiro dos bispos, sim, mas não
Deus sobre a terra. Esses questionamentos foram sendo desprezados, um a um, pela hierarquia católica, surpresa com o interesse
do mundo e contrariando os espíritos céticos.
O efeito bumerangue se torna
evidente hoje. É verdade que a
imagem do papa "atleta de Deus"
e o enunciado tranqüilo de suas
certezas contribuíram para a valorização da identidade católica,
para a difusão da mensagem da
Igreja Católica, em grau que, um
quarto de século atrás, ninguém
teria podido imaginar.
Sobretudo após as instabilidades que se seguiram ao Concílio
Vaticano 2º (1962-1965) e que dificultaram o pontificado de Paulo
6º (1963-1978), papa escrupuloso
e atormentado.
O desempenho da Igreja não se
reduz ao relatório numérico de
uma empresa, mas, em sua edição
da Páscoa, o semanário alemão
"Der Spiegel" estimou que a população católica, sob o papado de
João Paulo 2º, passou de 750 milhões para 1 bilhão de pessoas em
todo o mundo.
Inversão simbólica
Do mesmo modo, admite-se a
idéia de que Karol Wojtyla, condenado à condição de enfermo, à
afasia, aceitando mostrar seus limites físicos e seu sofrimento,
conferiu outro sentido à sua missão, um sentido que é evidente
para todos exceto para aqueles
que o pressionavam para retirar-se de cena: uma espécie de proximidade com os doentes, os deficientes e aqueles que agonizam.
Em outras palavras, uma inversão
simbólica da hierarquia de um
mundo no qual só são contados
os famosos, os atletas, as modelos,
os empresários, os critérios da estética, do lucro e do poder.
Mas essa supremacia da imagem tem seus inconvenientes que
são igualmente cegantes nessa fase derradeira de um reino excepcional.
Assim como a árvore oculta a
floresta, a comunicação de João
Paulo 2º, tanto a dos anos de plena expansão quanto a dos anos da
decadência física, deixou à sombra a própria natureza constitutiva da igreja.
O papel das igrejas locais, a vitalidade própria das comunidades
católicas, maior ou menor segundo os países e os continentes, tudo
isso passou para o segundo plano.
As câmeras ficaram sempre voltadas para Roma, deixando de mostrar as comemorações e as peregrinações da Semana Santa em todo o mundo.
A cúpula da Igreja Católica concorda, em grande medida, com
esse diagnóstico. Diante da longa
agonia televisionada de João Paulo 2º, muitos observadores e cardeais se questionam sobre os limites de uma comunicação concebida pelo grupo que cerca o papa, e
com a concordância dele.
Órgãos de imprensa que, em
tempos normais, não prestavam
nenhuma atenção à vida institucional da Igreja Católica e que,
normalmente, não divulgavam
suas mensagens, com a doença do
papa passaram a observar a vida
do Vaticano de perto, dando ouvidos a rumores e especulando
sobre o que poderia estar sendo
tramado nos bastidores.
Escolha da igreja
Deixada de fora dos circuitos de
informação oficial do Vaticano, a
mídia passou a dedicar colunas
inteiras ao suposto "vazio de poder", às intrigas entre cardeais à
sombra do papa, aos possíveis cenários de demissão, à suposta
guerra da sucessão.
E o ardor com que o fizeram
chama ainda mais a atenção
quando se considera que, durante
décadas, elas ignoraram o catolicismo ou mesmo foram irônicos
sobre seu desaparecimento.
O que estará em jogo no próximo conclave será a escolha entre
levar adiante esse magistério
mundial, com outro homem providencial, ou o retorno a um papado mais modesto.
Tradução de Clara Allain
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